Há muitos anos dois tios meus suicidaram-se separados aproximadamente por duas semanas. Ambos utilizaram o mesmo método que foi o enforcamento. Uma coisa terrível na família.
Não fui ao funeral do primeiro, mas fui ao do segundo. Na missa de corpo presente o padre pareceu-me um tanto contrariado por ter de fazer um segundo funeral por uma morte igual. Na eucaristia acabou por dizer que se mais alguém tivesse desejo de se matar ele não viria fazer o funeral.
Não houve até hoje mais nenhum caso. Felizmente.
Muitos anos mais tarde em conversa com um padre amigo falei-lhe do suicídio e acabei por questionar como a Igreja estava a aceitar a situação. Confessou o meu amigo que a sociedade estava realmente muito mudada e a igreja começava a entender que as doenças mentais eram uma realidade com desfechos obviamente diferentes.
Avancemos agora no tempo e aterramos no dia de ontem. Telefonaram-me da Beira Baixa a comunicar que certa pessoa que eu conhecia bem havia dado um tiro na cabeça. Tinha apenas 53 anos e com ele fiz alguns negócios especialmente com a venda de pinhal e outrossim de cortiça.
Acrescentaram à notícia que o homem estava com graves problemas financeiros tendo já vendido toda a manada e o rebanho de ovelhas. Mas ainda assim tudo isto insuficiente para apaziguar os credores.
Costumo dizer que a vida dá muitas voltas. Por vezes demasiadas, mas a morte nunca poderá nem deverá ser solução, pois os problemas acabam por ficar e recairem nos ombros dos eventuais herdeiros.
Entretanto a Igreja diz agora que quem se mata terá sido tentado por Satanás. Uma forma estranha, mas eficaz e excelente de aceitar o suicídio de tante gente.
Esta é infelizmente uma frase que se escuta amiúde quando se fala de alguém a quem foi diagnosticada uma vulgar "doença de cabeça" ou apenas "nervos", quando no fundo se está a lidar com uma profunda depressão.
Mais uma vez trago aqui este assunto, não só pela morte inesperada de Luís Aleluia, mas porque esta continua a ser uma doença... pouco valorizada!
Há três anos quando Pedro Lima se suicidou, voltou à ribalta a questão das doenças psiquicas. mas depressa caiu no esquecimento. Como quase sempre em Portugal.
A nossa actual sociedade não está ainda convencida que as doenças do foro psíquico são mesmo doenças... e graves! Pensam que aquilo são apenas manias, os tais nervos e outros epítetos.
Depois vêm estas tristes notícias e volta-se a acordar.... Mas infelizmente por pouco tempo. Portanto renovo a ideia de que é necessário esclarecer, explicar e alertas para possíveis casos de depressão ao nosso redor.
A ideia de que "aquilo passa-lhe" não pode nem deve ser levada em conta! Os custos desta postura quase libertina são catastróficos.
Já por diversas vezes escrevi sobre as doenças mentais: aqui, aqui ou aqui.
Já em tempo de pandemia escrevi este postal referente a um jovem que era filho de um primo meu. Pois ontem soube que outra prima mais afastada de pouco mais de 20 anos, cujo nome nunca soube, suicidou-se.
Não vale a pena desenvolver mais este tema pois todos sabemos o que é a depressão e quais as nefastas consequências dela. O que provoca na vítima e naqueles com quem esta lida! É quase sempre uma batalha perdida. Mas nunca devemos desistir, nunca!
Porque no fundo, como escrevi num dos postais acima referidos, as pessoas que se suicidam há muito que estão mortas... Por dentro! E viver-se com um cadáver interior não deve ser nada fácil!
O problema é que ninguém percebe, valoriza... cuida! Especialmente se vive numa aldeia: "aquilo há-de passar - dizem."
Amanhã será dia da mãe. E entre muitas mães que já perderam filhos haverá uma que perdeu a sua filha numa guerra injusta para uma doença que não escolhe ninguém em particular.
Pois é... todos, mas todos mesmo poderemos ser abraçados por essa maldita!
Todo o dia hesitei em escrever este postal. Porque me toca, porque nos toca.
Que escrever ou dizer a um pai que perde o filho? Não foi certamente o primeiro pai, nem será o último, infelizmente. Mas o drama não está na morte em si, mas na tragédia associada, pois ninguém percebe o que leva um jovem de 22 anos a enforcar-se.
Definitivamente até me custa esgalhar este texto. Todavia é necessário alertar, é preciso acordar, é urgente dar voz... à dor interior! Que tantas vezes não ligamos!
Nunca vivi este drama e talvez por isso, repito, que não saiba o que escrever ou o que dizer a um pai cujo filho único se suicidou. Creio que nenhum dicionário chegaria... Porém as palavras não o trariam à vida... Quiçá antes!
Agora a família tentará buscar razões, causas, episódios... que originaram esta profunda tragédia.
Mas faltará sempre a voz única de quem nunca falou ou que nunca foi escutada. Faltarão as lágrimas de quem sofreu sozinho o drama que foi a sua vida, mesmo que para muitos de nós possa nem parecer.
Por isso somos todos tão diferentes.
Hoje o meu coração chora por um jovem que preferiu a tentação de morrer à coragem de viver! E quantos sentirão diariamente este suplício?
Desde que soube da morte de Pedro Lima que fiquei em estado quase letárgico. O que leva alguém a colocar um fim à sua própria vida assim sem mais nem menos?
É a pergunta que me bate no coração permanentemente.
Cruzávamo-nos muitas vezes na mesma rulote onde o via com um dos filhos antes dos jogos no nosso Sporting. Vi-o também actuar no Politiema na peça “Casa do Lago” onde contracenou com Eunice Muñoz e Ruy de Carvalho.
E vi-o em algumas telenovelas…
Sempre me pareceu uma pessoa equilibrada e sensata. Estranho por isso a sua atitude sem regresso.
Em tempos debati o tema do suicídio. Alguém defendia que quem se suicida é um corajoso, eu defendi o inverso. Mas seja uma coisa ou outra o público português não merecia perder este bom actor. Dos melhores…
Que descanse finalmente em paz… já que parecia não a ter na vida terrena!