Ontem uma prima a quem ofereci um dos meus livros telefonou-me e após muitos normais agradecimentos pela minha oferta acabou por confessar:
- És uma pessoa com muita sabedoria... Vê-se na tua escrita!
Dei uma gargalhada, impus-lhe a minha modéstia, mas hoje de volante na mão numa breve viagem até à aldeia dei por mim a fazer a pergunta que entitula este postal: o que é a sabedoria?
Saber de imeeeeeeeeeeensas coisas ou saber muuuuuuuuuuuuuuuito mais sobre menos temas? E como avaliamos a sabedoria de alguém?
Valho-me agora de uma figura que eu mal conheci, se bem que me lembre bem dele e sobre quem escutei os maiores elogios. Tratou-se do meu avô paterno, um homem com uma estória de vida incrível que eu a espaços vou descobrindo e desvendando através do meu pai e de alguns tios.
Em paralelo a minha avó materna era outra meia dose de mulher que sabia mais no dedo mindinho que muitos no corpo inteiro. Talvez dela tenha herdado o humor e alguma ironia.
Se eram ambos sábios? Acredito que sim, mas de uma sabedoria recheada de experiência que diferentes momentos da vida, bons e menos bons, lhes foi propondo.
Também eu já vivi as minhas aventuras e algumas desventuras, mas isso não faz de mim alguém mais sábio que outros que terão passado menos que eu. Provavelmente eles tiveram a sabedoria de se resguardarem em vez da minha postura mais afoita ou irresponsável.
Mas sinceramente de que é feita essa tal de sabedoria que tantas vezes se fala? Cultura, conhecimento empírico, vida a passar pelas mãos ou simples pensamentos?
Pois não sei... Todavia tenho consciência de que não sou um sábio... Serei quiçá um mero aluno mais aplicado, sempre disposto e desejoso de aprender o que a vida terá (ainda) para me ensinar!
A cada dia que passa a questão da velhice preocupa-me. Não no sentido de lá chegar, mas tão-somente em que estado estarei se realmente alcançar esse desiderato!
Hoje mais uma consulta no hospital com o meu pai (já perdi o conto das piscinas de A1 Lisboa- Torres Novas e regresso, que tenho feito ultimamente). A sua saúde está em evidente declínio, mesmo que aparentemente não pareça. Hoje na consulta de Nefrologia assumiu que se tivesse pensado bem não teria aceite fazer a fístula no braço para os futuros tratamentos de hemodiálise até por que a idade já é muita (as palavras em itálico são do próprio).
Se bem que eu não gostasse de ouvir as suas declarações à médica, já no caminho para Lisboa percebi que de alguma forma aquilo fazia sentido.
Só que o meu pai está consciente e autónomo. Pior seria se estivesse demente! Talvez por isto reconheci-lhe coragem em assumir as tais palavras ditas à médica.
O meu avô que morreu quando eu tinha 12 anos foi, ao que me é dado perceber, um homem sábio. Profundamente católico obrigava os filhos a ir à missa todos os Domingos. Porém alguns (o meu pai foi um deles!) já mais crescidos levantavam-se mais cedo e saíam de casa antes da religiosa sentença semanal.
Dizem quem o conheceu bem que foi um também homem honrado mesmo tendo sido preso num dia 15 de Agosto de má memória para a família, acusado de um crime que não cometera. Veio para Lisboa onde cumpriu pena e donde conseguia, sabe-se lá com que expediente, enviar cestos para a mulher que os vendia para sustentar os filhos..
Regressado à aldeia continuou a fazer filhos à minha avó, dez ao todo dos quais só resistiram sete, e iniciou a sua vida de fabricante de cal. Fez um forno e sempre que necessitava cozia a pedra que vendia nas feiras das redondezas da aldeia.
Com a idade foi ganhando sabedoria, traduzida esta em frases sábias. Recordo apenas três que ouvi e que ainda hoje fazem sentido:
- Dinheiro no bolso não consente misérias! (dinheiro ou cartões de crédito);
- Dinheiro e santidade é menos metade da metade (tão adaptado aos dias de hoje);
- Por este pequeno buraco passam das maiores fortunas do mundo! (o buraco é obviamente a boca!).
Passam por todos nós os dias, semanas, anos, décadas. Porém a natureza humana foi, é e será sempre a mesma! Independentemente da época, local, clima ou recursos.
Hoje alguém cá em casa referiu-se a algo que eu havia dito nestes termos;
- Isso é muita sabedoria!
Na altura não dei importância ao meu dito, todavia durante a tarde a frase veio à memória e fiquei a matutar nela.
Acabei por concluir que o conhecimento adquirido através dos anos que a vida nos oferece é deveras importante e essencial, dando-nos ferramentas primordiais para lidarmos com os constantes desafios atravessados no nosso caminho.
Por outro lado a sabedoria é, neste contexto, a forma quase mágica de como conseguimos gerir as nossas emoções perante os ditos desafios. Mais sabedoria mais serenidade na resolução daqueles, menos sabedoria maior ânsia e dúvidas permanentes.
Quanto mais velho maior sabedoria... também se poderia acrescentar. Quase que aceito este quase silogismo, só que tem um erro... Não é a idade que nos faz maios sábios, mas táo somente o que a vida nos ofereceu (seja de bom ou mau!) e o desembaraço com que passamos as coisas para as nossas costas.
Vejo por isso muita gente assustada, receosa e obviamente infeliz porque não consegue gerir com serenidade os seus sarilhos. Os fundados receios devem-se, acima de tudo, à incapacidade de assumirem que os problemas serão enormes ou pequenos dependendo da perspectiva com que os vemos.