Termino hoje uma série de textos sobre a Peregrinação deste ano. Após breves descrições dos dias e das noites passadas em conjunto é o momento de serenamente tentar explicar o que me leva a fazer este caminho.
Não é fácil porque o objectivo não é somente chegar mas acima de tudo partilhar o caminho:
- com Deus através das orações;
- connosco próprios nos silêncios:
- com outros peregrinos a quem oferecemos o braço;
- com Virgem Maria, no terço;
- com o padre nas eucaristias;
- com as enfermeiras nas bolhas;
- com a equipa de apoio nos mimos recebidos.
Tudo junto é assim a minha peregrinação. Cinco dias em comunhão com tanta gente que me preenchem o coração e a alma.
O Domingo parecia ter nascido luminoso. Mas rapidamente se toldou num céu plúmbeo e ameaçador. Após o pequeno-almoço tomado em conjunto "aprimorámo-nos" com uma t-shirt relativa ao tema da Peregrinação deste ano.
Foi então a altura das partilhas por parte de alguns peregrinos. Palavras ditas, lágrimas derramadas, sentimentos genuínos à flor da pele... Tudo em conclusão de cinco dias de caminhada e sofrimento.
Entretanto a eucaristia em pleno Santuário previa-se molhada tal era a perspectiva de aguaceiros. Mas fosse a sorte ou simplesmente a vontade de Deus a realidade é que durante toda a missa não choveu. E como foi longa a celebração...
Regressámos aos aposentos para o derradeiro almoço entre todos. A tarde continuava cinzenta e adivinhava-se a prometida chuva. Foi no dealbar do caminhos dos Pastorinhos, que nos levaria aos Valinhos, que se iniciou a "Via da Misericórdia" com paragens em cada estação da Via-Sacra onde se leram lindíssimos textos da Palavra de Deus, acompanhados de orações e alguns cânticos.
Caminhávamos naturalmente devagar.
Chegada à XV estação foi o momento de principiar a chover. Que nem deu para tirar mais fotos.
Por fim umas despedidas breves pois a bátega surgia inclemente!
Regresso a casa... Pés doridos, unhas negras, bolhas suficientes mas a alma recheada de paz de espírito e alegria.
Com o estímulo de chegarmos a Fátima nesse mesmo dia, iniciámos a caminhada. E a primeira grande etapa apresentou-se deveras complicada já que tivemos que subir uma serra por entre carrascos, silvas, sargaços e alecrim. Para logo a seguir iniciar a descida da encosta.
Até ao café foram dez quilómetros entre caminhos, veredas e asfalto com uma paragem para reforço e laudes. Entretanto alguns peregrinos demonstravam algumas dificuldades, fosse pelo cansaço da escalada, fosse por enfermidades adquiridas em dias anteriores (bolhas, dores musculares e outras!!!).
A meia dúzia de quilómetros de Fátima parou-se para a eucaristia e logo serviu-se o almoço.
E eis-nos novamente no caminho de Fátima. Ao longe vislumbrou-se a cúpula do Santuário e logo ali as dores desapareceram.
Finalmente Cova da Iria. Os abraços e as inevitáveis lágrimas entre os peregrinos, especialmente por aqueles que mais sofreram física e psicologicamente. Quem nunca fez estas caminhadas não tem consciência do que é... chegar!
Não é um alívio mas uma alegria perante Deus.
Mas a tarde era ainda longa. De novo todos reunidos entrámos no recinto do Santuário a rezar o terço. A Capelinha ao fundo da encosta estava repleta de gente mas coubemos todos.
As velas prometidas foram compradas e colocadas no queimadouro como agradecimento das graças recebidas. Mais lágrimas, mais abraços e as almas finalmente limpas de tantas amarguras. A fé e a misericórdia juntas num mesmo momento!
À noite novamente o terço, desta vez rezado na Capelinha, seguida de uma curta procissão das velas.
Veio finalmente o jantar. E para terminar a noite nada melhor que uma amena cavaqueira. Deitei-me muito tarde!
Pela primeira vez nesta peregrinação não iria necessitar de colchão, saco-cama ou almofada. O quarto onde dormiam dez peregrinos estava equipado com tudo.
Como já referi em texto anterior a noite foi atribulada. Primeiro porque o meu companheiro de chão estava demasiado agitado. Depois tive o azar de ficar perto de uma lâmpada à qual estava ligada um sensor de movimento. Ora cada vez que alguém se levantava eis que a luz acendia e incidia sobre mim.
Depois o frio... O pavilhão estava tão gelado que nem o calor humano deu para aquecer o espaço. Rapei um frio daqueles...
Mas a manhã acordou alegre e menos fria que as anteriores. Após 1600 metros sempre a subir (houve quem dissesse que eram 6 quilómetros!!!) nada melhor que um belíssimo café. Que soube divinalmente.
Em Coz onde se celebrou a eucaristia viveram-se momentos profundos. A seguir ao almoço veio o costumado silêncio com as habituais leituras sobre a Misericórdia. Textos densos mas outrossim muito belos.
O destino para esse dia aproximava-se e era já quase noite quando chegámos ao pavilhão que nos haveria de acolher. Aqui um contratempo de horários haveria de nos levar a jantar e a recolher muito tarde. Mas a vida nem sempre é como gostaríamos...
Ainda antes do recolher uma oração numa capela próxima deu mais sentido à noite. Dormi totalmente no chão porque não pude encher o colchão!
Ainda cairam uns borrifos mas depressa desapareceram. A manhã finalmente surgiu em todo o seu esplendor. As orações, o terço, o silêncio, a eucaristia e finalmente as completas tornaram o meu dia mais recheado..
Muitos quilómetros palmilhados com muitas experiências trocadas. As sensações a crescerem e a tornarem-se a fonte de riqueza e de Misericórdia.
Para ser peregrino não basta só caminhar. É necessário disponibilidade para os outros. Dar e receber sem peso nem tamanho.
Dormi mal (e pouco) nessa noite. Mas que importa se estou ali para cumprir a vontade do Senhor e não a minha!
O caminho vai-se fazendo serenamente. A manhã do primeiro dia trouxera-nos algum frio mas sempre bom tempo. Porém a tarde toldou-se e logo após o terço, rezado em comunidades (a minha era “Caridosos”), começando a chover com intensidade.
Acabei por vestir uma capa impermeável tentando evitar que a água da chuva se impregnasse por toda a roupa e calçado. Em vão tal era força do vento.
Uma peregrina demonstrava estar muito debilitada, não só com os quilómetros já palmilhados mas devido à intempérie. Eu e um elemento da organização acabámos por arrastar a senhora até à paragem de reforço.
De volta ao caminho e à chuva acompanhámos mais peregrinos em evidentes dificuldades. Mas chegaram todos. E um banho bem quente ajudou a repor alguma energia.
Para primeiro dia de Peregrinação até quem nem correu mal. Não fosse a chuva… e essencialmente o vento.
Mas aprendeu-se muito. As dores e o cansaço são superados pelas palavras de alento que fomos lendo e ouvindo pelo caminho.
Chove lá fora, mas já dentro do saco-cama, agradeço a Deus ter-me deixado chegar ali.
Viver a Fé nem sempre é fácil. Especialmente nestes novos tempos em que tudo nos chega à mão e ao conhecimento à velocidade de um toque, num qualquer telemóvel ou equipamento semelhante.
Por isso este afastamento de uma vida quotidiana repleta de confortos parece não fazer muito sentido. Mas faz!
É necessário que o nosso coração se encha de Misericórdia de maneira a podermos olhar o Mundo de forma diferente. Mas para isso é forçoso que nos dediquemos totalmente a Deus, nem que seja por uns meros cinco dias.
Todas as peregrinações que já calcorri mostraram-me quanto poderemos fazer por nós próprios, pelos outros e pelo Mundo. E a deste ano, obviamente, também não fugiu a essa regra (quase) básica.
Venho destes dias sempre (muito) diferente daquela pessoa que partiu. Nunca saberei se para melhor ou pior. Mas claramente diferente. A Misericórdia de Deus também se vê nestes genuínos gestos.