"Foi bonita a festa, pá", disse Chico Buarque numa canção com óbvias referências ao 25 de Abril de 1974.
E curiosamente resume-se naquele verso o meu fim de tarde de ontem e início da noite.
Um mês após a nossa partida para Fátima foi fantástico rever tanta gente que comigo partilhou os caminhos ao encontro de Mãe Santíssima. Companheiros nesta estrada da vida que todos palmilhamos e partilhamos.
Primeiro a eucaristia onde o Padre J. uma vez mais, nos ensinou a ver Deus através do seu filho Jesus. De seguida um jantar partilhado, com muita alegria e um belíssimo bolo da peregrinação (foto abaixo). Algumas fotos dos peregrinos, gírissimas por sinal, e finalmente as partilhas na primeira pessoa, onde cada um que falou de coração aberto da maneira como sentiu a peregrinação.
Belos testemunhos de companheiros de estrada.
A vida também é feita destes momentos inesquecíveis.
Acordei mais tarde do que é costume nestas coisas das peregrinações. Dormi divinalmente bem. Após o pequeno almoço eis-nos todos a caminho da entrada de Fátima do lado de quem vem da terra dos Charales do Ninhou. O café aqui soube fantasticamente bem. Junto o grupo é tempo de iniciar a Via-Sacra no caminho para os Valinhos. As 15 estações tiveram leituras, cânticos e breves análises dos derradeiros momentos da vida de Cristo até ao Calvário.
A juntar a tudo isto explicações dadas pelo Padre J. sobre alguns dos lugares que os pastorinhos percorreram, vai para quase 100 anos. Locais serenos, simples como é a vida do campo e seria a vida daquelas santas crianças. Por fim a eucaristia numa capela demasiado pequena para albergar tanto peregrino e alguns familiares. Mas como boa vontade conseguimos todos ficar lá dentro e ouvir não só a breve homília com alguns testemunhos apresentados por peregrinos.
São estes momentos que completam as nossas caminhadas.
Todos na rua foi o tempo das fotografias das comunidades, das mulheres casadas, das solteiras, de todos. Uma vez mais o regresso aos alojamentos para almoçar...
E é aqui que começa a parte menos simpática das peregrinações: a partida. Após Cinco noites e Cinco dias aquele que no início era um estranho passou a ser um irmão ou irmã.
Há lágrimas nos rostos de homens e mulheres. Maria Santíssima entrou no coração e na almas de todos nós e lavou-nos de todos os nossos medos, receios, tristezas, dúvidas e angústias.
Agora é tempo de regressar. De coração mais leve! Mas de espírito mais cheio da Palavra do Senhor.
Pela primeira vez em muitas peregrinações que já fiz esta foi a primeira noite em que dormi numa cama com lençóis. O quarto onde estava tinha dez camas. A meu lado como de costume o J. Do outro um estreante nestas coisas de peregrinações mas que se mostrou à altura dos acontecimentos. Um corropio de homens a tomar banho. Mas curiosamente aconteceu-me algo de estranho. Quando saí do quarto para tomar banho tive de atravessar um corredor. No fim desse espaço encontrei a imagem de Nossa Senhorade Fátima. Fiquei intimamente tão atrapalhado que regresssei ao quarto vesti a t-shirt e pude então passar junto à imagem sem problemas. Uma parvoíce? Será... Mas assumo este meu respeito.
Após o banho e tendo em conta que o jantar se encontrava ligeiramente atrasado, regressámos ao Santuário para rezar o terço em plena Capelinha das Aparições. Um momento alto com diversas comunidades estrangeiras a partilharem esta oração. Pela primeira ouvi rezar o terço em inglês e num imperceptível Norueguês.
De volta aos aposentos decorreu por fim o jantar com muita alegria. Segundo soube a alegria manteve-se, especialmnte entre as senhoras, pela noite fora. É assim o verdadeiro peregrino: tanto chora perante a Virgem Mãe, como consegue rir e abrir o coração à alegria da Palavra de Deus.
Após o jantar eu, o J. e a M. assim como alguns elementos da organização, partilhámos longas conversas. Momentos também eles repletos de boa disposição. Quando me deitei o quarto já estava à escuras.
Fui o último a recolher. Embora com algumas dores dormi muito bem!
Faltam poucos quilómetros para Fátima. Regresso ao caminho com menos dores mas ainda assim custa-me a andar. Ainda por cima vamos subir a serra... Mas vale a pena, pois a beleza da paisagem que se desfruta do cimo é fantástica. Junto a posto da GNR rezei a oração da manhã para logo partirmos em direcção a S,Mamede onde almoçei.
O local é pequeno mas vamo-nos ajeitando. É a altura de levantar a camisola referente à Peregrinação. Bonita mas quente. O dia abriu-se ao Sol e aqueceu.
De regresso à estrada entramos finalmente em Fátima. Mas antes despimos os coletes fluorescestes.
É um momento muito especial a entrada na Cova da Iria. O silêncio na Capelinha é quase ruidoso. As lágrimas dos peregrinos caem em torrentes de alegria.
Sabe sempre bem regressar a casa da nossa Mãe Santíssima. A tarde terminou com a eucaristia e o caminho para o lugar de descanso.Aqui aguardámos que nos franqueassem as portas dos nossos alojamentos.
O espaço comportava, para além da nossa peregrinação, um conjunto de 250 jovens, também eles peregrinos.
Deste modo tivemos de partilhar o chão do ringue desportivo com eles. Mas correu tudo muito bem. Os balneários foram separados e assim pude tomar banho com calma mesmo que a água não estivesse muito quente. Apenas morna.
O jantar correu com a costumada celeridade e a noite terminou numa igreja onde rezámos as completas e fizemos uma pequena vígilia à Vigem Mãe com diversas leituras. Mais um momento de grande serenidade e aproximação entre todos.
Recolhi ao saco cama. O J. manteve-se a meu lado. Os "ruidosos" ficaram bem longe. As dores na perna haviam crescido mas um anti-inflamatório ajudou a que o meu descanso não fosse tão penoso.
A manhã acordou tristonha mas depressa as nuvens desapareceram e deram lugar ao sol com a sua natural força da Primavera.
Após uma primeira tirada de 10 quilómetros chegámos a Coz onde nos surgiu uma igreja fantástica. Quem a vê de fora não tem a noção de beleza que encontramos lá dentro. É surpreendente o altar em talha dourada e os azulejos.
Aqui rezaram-se as laudes e daqui partimos para o almoço que decorreu em Castanheira com direito a bancos corridos e longas mesas.
O dia começou a aquecer e a travessia pela "estrada de argila", assim denominada devido aos enormes buracos de extracção de areias e pedras e ao movimento de grandes camiões, previa-se complicada.
Cheguei a Pedreiras muito cansado. Mas o pior estaria para vir... Sem saber como acabei por sofrer um traumatismo no músculo da perna direita... a mesma que já tinha apresentado dores logo no primeiro dia.
Após a eucaristia veio o grande desafio da tarde com a subida da serra de forma a chegar a Porto de Mós ainda de dia. Uma tarefa que me custou imenso tais eram as dores na perna. Cheguei em último lugar não por culpa da minha perna mas porque vim a ajudar uma paregrina com evidentes dificuldades em andar.
Tenho vindo a falar nos últimos textos da minha vivência como peregrino. Uma experiência sempre marcante tanto no aspecto físico (a dor na minha perna não me larga) como no aspecto interior.
Na missa de hoje o padre iniciou a sua homília com o seguinte mote: "A fé faz-se a caminhar..." Fiquei realmente a pensar nestas palavras... Fé? E o que é isso da fé para a maioria das pessoas mesmo as crentes?
Creio já ter referido por aí algures que a fé não é algo que se compre em alguma igreja ou santuário. A fé é algo que se sente e acreditem meus amigos que ter fé dá (muito) trabalho. É, quiçá, das poucas coisas que não se explica com palavras apenas com actos, gestos, posturas e acima de tudo uma total entrega aos outros.
Quando parto para uma peregrinação não o faço por qualquer promessa (mas assumo que já o fiz!) mas somente para estar alguns dias longe de um Mundo triste, enraivecido e em permanente guerra... contra si mesmo!
Os dias que passo a andar, a ler o Evangelho ou somente a rezar, obrigam-me a olhar para dentro de mim mesmo e procurar no meu coração a razão para a minha caminhada. Como costumo muitas vezes dizer: "Não sei porque ando, mas Deus sabe!"
É esta permanente tentativa de descoberta dos verdadeiros trilhos (leia-se sentidos) da fé que me põe a caminho do Altar do Mundo.
Hoje neste Domingo de Páscoa prestes a terminar, desejo aos católicos e não católicos que encontrem a fé dentro de vós mesmos. Esse, quer queiram quer não, é o designío de todos nós. O problema é que há muitos que (ainda) não o sabem!
O pavilhão é demasiado grande. As senhoras tiveram sorte com as casas de banho por não terem de passar pela rua.
Montei o meu lugar bem largo para poder abarcar o J. Homens de um lado, mulheres do outro.
Quando fui para tomar banho a confusão era tão grande que preferi aguardar para depois do jantar. E fiz bem, pois nessa altura já não havia ninguém a usar os chuveiros e pude lavar-me em descanso.
De volta ao meu lugar percebi que um dos meus colegas da primeira noite estava mais ou menos afastado de mim, todavia na fronteira entre os homens e as mulheres.
O dia havia-se sido repleto de belos e profundos momentos. Aproximava-me de Maria Santíssima. Bastou isso para me dar alento para o dia seguinte. As dores haviam entretanto diminuído muito à custa de eficazes anti-inflamatórios.
A meio da noite, quando já todos dormiam, percebi movimentação no lado das mulheres... Algumas fugiam do peregrino barulhento para um lugar mais sossegado. Uma delas era a minha mulher.
A hora havia mudado nessa noite o que equivalia dizer que acordei ainda mais cedo do que o habitual. No dia anterior havía percorrido 35 quilómetros e percebi que alguns peregrinos começavam a dar sinal de alguma fadiga. Mas ninguém desistiu. E partimos todos. Após bons quilómetros por entre pinheiros e eucaliptos cheguei a Salir do Porto, onde na igreja em honra de Nossa Senhora da Conceição de Salir se rezou a primeira oração da manhã. Parti de seguida para a bela vila de S. Martinho do Porto. No cimo desta começámos a subir as diversas serras em silêncio e com leituras para ajudar.
De súbito do cimo da serra novamente o mar e ao fundo pode-se vislumbrar a bela praia da Nazaré. Após o almoço partimos uma vez mais, desta vez encosta abaixo. Breve pausa para reagrupar e partida em comunidades para rezar o terço. O meu grupo acabou-o mesmo junto ao porto da vila. Depois com calma atravessámos todo o passeio marginal e após mais uma pausa começámos a subir a íngreme escadaria que nos levou ao Sìtio da Nazaré, onde a tradição da Lenda de D. Fuas Roupinho é rainha.
Era Domingo de Ramos. Como é hábito foi oferecido a cada peregrino um ramo simbolizando os ramos com que brindaram Jesus na sua entrada em Jerusalém. Benzidos pelo Padre J. foi tempo de eucaristia. O santuário é deveras bonito, a homília sempre tocante aos corações, não se evitando por vezes as lágrimas. Finalmente a surpresa: a visita à genuína Nossa Senhora da Nazaré, incrustada no alto do altar. Uma imagem muuuuito velha mas carregada de simbolismo.
Foi tempo de descer a imensa escadaria. Mas valeu a pela. A paisagem é deslumbrante mesmo na descida.
Chegou-se ao pavilhão paroquial já era quase noite. Desta vez tive menos dores.
Como fui o último a chegar acabei por ficar na sala onde se encontravam os homens, junto à porta. A dor que me começara a atormentar quilómetros antes continuava, crescendo mesmo. De tal forma qque a determinada altura tive dificuldades em estar de pé.
Após o banho com água quente, que me soube divinalmente e enquanto se aguardava a chegada do jantar, acabámos por rezar a oração da noite (completas). O repasto apareceu mas rapidamente me meti no saco cama. Necessitava claramente de dar descanso à perna.
A noite previa-se complicada tal eram as dores que sentia. Mal imaginava eu que o meu vizinho do lado direito, o Manuel Francisco, escuteiro há muitos anos, me haveria de brincar com uma noite de roncos com palavreados a meio. Mais uma noite a dormir (muito) mal.