Nunca fui a uma manifestação. Nem contra nem a favor de rigorosamente nada.
No entanto entendo e concordo que as pessoas tenham o direito de se manifestar. De usarem todos os meios legais ao seu alcance para protestarem contra aquilo que consideram não estar correcto.
As “Grandoladas” como agora iniciaram a chamar a estes tipos de protesto, tendo em conta que usam a canção de Zeca Afonso como arma sonora de arremesso contra o governo, parecem exagerar no uso daquele tema tão popular e umbilicalmente ligado à “Revolução dos Cravos”.
Se bem que vivamos tempos conturbados e deveras difíceis, a verdade é que “Grândola Vila Morena” foi escrita (e cantada) num contexto diametralmente oposto ao de agora. Em 1974 vivíamos debaixo de uma ditadura assente numa polícia política feroz, sem direito a liberdade de expressão ou de opinião.
Naquele tempo não eram autorizadas manifestações, comícios ou qualquer tipo de debate político. O silêncio era a ordem normal de um país que vivia em guerra, mais com o seu próprio passado, do que contra os guerrilheiros em África.
Hoje nada disso existe… e ainda bem!
Dir-me-ão muitos, que as políticas deste governo se assemelham ao que se passava nesse tempo. Até posso aceitar esse pensamento, todavia muitos dos que estavam na manifestação de ontem nunca souberam o que foi viver sem democracia! Naquele tempo jamais poderiam fazer o que se fez este sábado por essas cidades de um país á beira de um profundo colapso.
Finalizo com um tema, também do Zeca Afonso, que talvez, repito talvez se adapte melhor à época que estamos a viver.
A minha afinidade política iniciou-se muito à esquerda. No meu tempo de estudante só existiam duas forças verdadeiramente implantadas nas escolas: a UEC, afecta ao PCP e o MRPP.
De uma forma quase natural aproximei-me do movimento liderado por Arnaldo Matos. Com os camaradas da altura lutei por alguns direitos, vendi o jornal “Luta Popular”, dei a cara… e o esforço pelo partido, sem nunca me militar, verdadeiramente.
Mas a idade vai-nos trazendo ensinamentos e a determinada altura percebi que a noção de democracia, especialmente em alguns partidos de esquerda, era totalmente diferente da minha. Li nessa altura muitos livros de diversos quadrantes e opiniões. E fui formando a minha própria definição de democracia. E nela compreendia a liberdade de expressão, de manifestação, da greve, de votar e escolher livremente quem desejaria para comandar os destinos do país.
Mas é também dessa época, uma frase que um colega e amigo, hoje médico reconhecido, militante do PCP, e que me dizia:
- Eu não sou um democrata, pois não admito os partidos de direita.
Esta postura eventualmente não democrática, todavia sincera, pareceu-me ainda assim de uma enorme lucidez. E se, por um lado, não concordasse com a sua aplicação, entendia obviamente a sua essência.
É com base nestes pressupostos que olho para os últimos acontecimentos no ISCTE e, independentemente das razões que levaram os jovens a exibirem daquela atitude, não posso concordar. Podemos e devemos discordar. Podemos e devemos dizer o que sentimos. Porém a nossa democracia não se revê nas atitudes daqueles jovens.
Um membro de um governo, escolhido democraticamente pelo povo, não deve ser silenciado daquela forma. Podemos não concordar com as suas ideias e atitudes mas aquilo… Pareceu-me mau demais para ser verdade. E a razão do protesto que assistia àqueles jovens esvaiu-se num ápice.
E o pior é que alguns partidos tão defensores da democracia e dos direitos pura e simplesmente desvalorizaram tais eventos. Como se pretendessem branquear o mau feito. E das duas uma: ou se vive em democracia e se respeitam as pessoas e ideias mesmo que diferentes ou então assumam-se como não democráticos. Como assumiu o meu amigo!
Deixo para o fim diversas questões: e se fosse ao contrário? A esquerda a tentar falar e a direita a silenciar? Estariam os partidos igualmente a observar o mesmo que disserem dias atrás? Eu gostaria de pensar que sim, mas realmente não o creio
… que ontem na manifestação defronte do Palácio de S. Bento, a Polícia tenha quebrado indiscriminadamente uma quantidade de IPhones, Ipods, Blackberry’s ou Galaxys (passe a publicidade!).
Andaram os jovens a incomodar pai e mãe, avô e avó, tio e tia para terem um aparelho daqueles e vem um agente da autoridade armado de bastão, nada maleável por sinal, e dá cabo de um parque telefónico considerável.