Num país como é Portugal, a meritocracia é anormalmente substituída pela critica mordaz e soez. Sendo que a maioria das vezes esta surge de quem menos se espera e assente em acontecimentos que não se confirmam.
Em 2021 a minha falecida sogra teve de dar entrada num Lar. Uma série de acontecimentos precipitaram que tal acontecesse, mesmo que ambas as filhas nunca fossem favoráveis à saída da mãe de casa.
Mas a vida ensina-nos que as verdades de hoje são as mentiras de amanhã e perante uma dura realidade, não houve outra solução a não ser integrá-la numa casa de cuidados permanentes. Acresce dizer que a senhora na altura já se encontrava demente. Raramente conhecia as filhas e os netos sendo uma tristeza vê-la de memória quase vazia.
Escolhida a instituição, aqui foi entregue no dia de Todos os Santos, ficando aos cuidados de muita gente especializada.
Dois anos, oito meses e dez dias foi o tempo que a D. Rosa viveu num local onde se sentia feliz. Tal como uma criança acabada de nascer, toda a sua vida se baseava em duas vontades básicas: barriga cheia e fralda limpa e seca. Porém no lar ela teve muito mais que isso, muuuuuuuuuuuuuuuuuuito mais.
Nesta casa ela foi rainha, princesa, senhora e criança, sempre rodeada de carinho, ternura, compaixão e solidariedade.
Não morreu na sua casa que ajudou a construir com muito trabalho, mas este Lar foi a sua bonita morada enquanto ser vivo se bem que não fosse já um ser vivente.
É chegado agora o momento de elogiar todos daquela instituição. Desde o responsável máximo à senhora da limpeza, passando por todo o pessoal auxiliar, as enfermeiras, médicos, fisioterapeutas ou animadoras. Todas e todos, sem nenhuma excepção, mostraram e mostram como se deve tratar a nossa terceira idade. E mais importante que tudo… cuidam de todos os idosos presentes com a dignidade que estes merecem.
Sempre que vou o lar ver a minha demente sogra saio de lá sempre a pensar: quando serei eu a entrar aqui?
Tenho perfeita consciéncia que o meu caminho será naquele sentido, pois os filhos terão de trabalhar até mais tarde e provavelmente até estarão longe de mim.
Mas independentemente de todas as razões sinto-me sempre confrangido quando visito o lar. Mesmo sabendo que a idosa estará muito melhor ali que estaria em casa.
A idade é uma coisa tramada! Quando pensamos que nada nos atinge, lá vêm os anos a colocar-nos no sítio devido para que não tenhamos ilusões ou renovadas esperanças.
Saber viver com a idade que temos é quase um luxo. Mas é aqui que reside essencialmente o meu maior receio: jamais conseguir assumir a minha idade e com ela as minhas reais limitações.
Nos almoços ou jantares de famílias numerosas há sempre dois lugares mais ou menos reservados para os patriarcas da família: as cabeceiras da mesa. Cá em casa não é excepção.
Só houve um problema quando morreu o meu sogro, pois ficou-se sem saber quem deveria ocupar aquele lugar. Por fim decidiu-se pelo elemento mais novo à época. Situação que ainda hoje se mantêm exceptuando quando as pessoas são ainda mais e aquela cabeceira, antigamente para um, tem de ser partilhada.
Diz o povo que "há males que vêm por bem". Não acredito nisso, mas reconheço que uma sucessão de factos anómalos pode originar uma solução eternamente adiada.
Foi o que aconteceu recentemente com o acidente que colocou a minha mulher no estaleiro, sem mobilidade nem capacidade para fazer alguma coisa. Deste modo uma das suas responsabilidades, que foi tomar conta da mãe senil, foi transferida para a outra filha. O resultado desta situação foi a normal decisão das ambas as filhas em internar a idosa num lar.
Sinceramente tenho que concordar que não haveria outra solução.
Agora repetir-se-á a dúvida sobre quem deverá ocupar aquele lugar à mesa? Uma das filhas, um dos netos ou um dos bisnetos?
Obviamente que ninguém é insubstituível, mas reconheço que durante umas refeições vai ser estranho ver outra pessoa na cabeceira da mesa que não a matriarca da família!
Mas é a vida. Triste, amargurada, mas sem nunca parar!
A relação com a minha casa é assim um tanto... como direi... truculenta.
Se por um lado é um local onde gosto de estar e me sinto bem, por outro a casa obriga-me a afazeres para os quais não me sinto nunca preparado.
Descodifiquemos então.
Da casa adoro a cozinha. Sou um razoável cozinheiro e faço (quase) tudo. E sem grande barafunda de tachos e panelas. Sou organizado e lavo sempre que posso o que sujo de forma a não criar confusão.
Quanto à roupa suja... a minha relação é muito boa com a lavandaria! Ainda não enveredei pelos caminhos da máquina da roupa ou do ferro de engomar. Tenho consciência que é uma falha, mas com o tempo lá irei.
O pior é realmente o pó. Reconheço que é necessário uma limpeza a fundo a uma casa, mais que não seja por razões terapêuticas, tendo em conta que o meu infante mais novo tem uma péssima relação com as alergias... ácaros e outros bicharocos incluídos.
Assim sendo as últimas semanas têm sido de afâ. Móveis retirados do lugar, pano do pó na mãos... e há que percorrer todos os locais, por mais remotos e absurdos que me pareçam, com o intuito de limpar o pó.
É um trabalho árduo, com o qual não me identifico, mas obviamente necessário.
Todavia no fim sabe muito bem entrar numa casa que sabemos limpa.