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Espaço de reflexões, opiniões e demais sensações!

Espaço de reflexões, opiniões e demais sensações!

Tolerância zero!

Ouvi que hoje as autoridades do trânsito tinha ordem de tolerância zero para o excesso de álcool e de velocidade.

Portanto um dia óptimo para andar na estrada, especialmente para quem, como eu, anda devagar e não bebe em dia de viagem.

Saí de casa, bem perto de Lisboa, pelas cinco horas da tarde com destino à aldeia beirã que viu nascer a minha mulher há mais de seis décadas. Levava muita coisa, acima de tudo dois conjuntos de portões em ferro para serem arranjados, após mais de 40 anos a servir diariamente a família.

No caminho combinei com o mestre do ferro entregar na sua oficina perto de Vale de Prazeres, os ditos portões. Como ainda parei para reabastecer de víveres para o fim de semana em Castelo Branco (adoro aquele hipermercado, com tão poucos clientes) já cheguei à aldeia do serralheiro bem de noite.

A carrinha trazia para além dos portões uns metros de mosaico, uma lata de tinta e mais uns tarecos.

Descarreguei o material, conversámos sobre o que era necessário fazer e regressei à estrada. O problema é que chegado perto da passagem de nível deparei com um agente de autoridade que me mandou parar.

- Boa noite, a sua carta e documentos da viatura, sff.

- Boa noite senhor agente, com certeza - respondi eu calmamente, já que quem não deve não teme.

Entreguei a documentação que conferiu. Depois pediu-me para sair e fez-me o teste do álcool. Soprei, soprei e finalmente:

- Já chega - disse o guarda.

A seguir diz-me:

- O senhor tem aqui um problema...

- Eu? Como pode ser possível... Não me diga que deu excesso de álccol?

- Não, nisso esteja descansado... está tudo bem. Deu apenas excesso de fome!

O que a Troika não sabe!

 

Uma das maiores vítimas deste tempo de vacas magras, que vamos obrigatoriamente diluindo nos nossos dias, são justamente as crianças. Estas não entendem como de um dia para o outro deixaram de ter direito a comer mais um pão ou a beber mais um copo de leite porque… não há!

Infelizmente não há para o leite, para o pão, para os bens essenciais. O desemprego alastra ferozmente sem se perceber um fim. As forças políticas clamam, o governo responde, o PR encolhe os ombros, a Troika obriga, o povo paga.

Ontem o meu filho fez anos e eu fui à pastelaria buscar o tão tradicional bolo de aniversário. Lá dentro, entre muita gente sentada, encontrei uma jovem mãe, não teria 30 anos, com duas crianças pequenas mas muito sossegadas ao seu redor. Primeiro passei por ela sem me aperceber da sua presença. Era mais uma que por ali estava. No entanto, ao fim de um pouco, descobri estranhamente que ela aguardava…

Mas não entendia bem o quê… Uma empregada colocou numa caixa de papel um bolo. Entretanto de pé no balcão duas senhoras solicitaram cafés e pastéis de nata. E mais uma vez um bolo para a caixa de papelão.

De súbito olhei para a parede defronte de mim, enquanto aguardava que me fossem buscar o bolo previamente encomendado, e pude ler:

“A partir das 18 horas por cada dois bolos comprados leva mais de um de graça”.

E naquele instante fez-se luz. A mãe aguardava a “Happy Hour” das seis da tarde para poder dar aos filhos uma guloseima que lhes matasse a fome. Em tom baixo perguntei à senhora que me atendia, se o que eu percebera seria verdade. Ao que ela respondeu que sim, mas com uma revelação ainda mais aterradora:

- Ela leva os bolos todos que consegue até às nove da noite, hora a que fechamos. É a única alimentação da família.

Tremi todo. E lembrei-me daquele casal no supermercado… que aqui relatei vai para um ano. Desta vez haveria de ser diferente… Desviei-me e disse para a empregada:

- Arranje um saco com pão, fiambre e se puder queijo. E lá dentro coloque também uns pacotes de leite com chocolate e diga-me quanto é.

A senhora obedeceu sem pestanejar e no final deu-me a conta que paguei sem hesitar. Quando saí pude passar a mão pelo cabelo de uma das crianças e percebi que higiene era algo que ali também faltava.

Já no carro, carregando uma caixa onde residia um bolo grande, sorri sozinho, imaginando a reacção daquela mãe ao perceber um saco com mais do que os costumados bolos.

Será que a Troika tem consciência disto?

Num Sábado de manhã

Estive para não ir ao supermercado. Já tinha o pão para o pequeno almoço, outras coisas tinha comprado no dia anterior.

Mas fui. Faltavam-me batatas e alguma fruta...

Escolhi as batatas que coloquei num saco e fiz o mesmo às laranjas. Grandes, bonitas mas sem saber se saborosas.

 

Estava eu na caixa quando atrás de mim surgiu um casal de mais ou menos trinta anos acompanhados de uma criança de tenra idade, 3 ou 4 anos de idade. Traziam num saco duas batatas pequenas. Só...

 

Olhei e achei estranho. A empregada da caixa, enquanto recebia o dinheiro que lhe havia dado para pagar a despesa, perguntou-lhes:

- Só isso?

A jovem escondeu a cara atrás do marido enquanto ele deu o corpo às balas, respondendo:

- Estamos os dois desempregados, não temos dinheiro para mais.

Tremi todo. Olhei o meu saco de compras e vi o deles. Acto contínuo disse à empregada:

- Esqueci-me duma coisa...

Dei a volta reentrando no supermercado, recolhi um saco grande de batatas daqueles já fechados e pesados e levei-o para a caixa. Paguei e entreguei o saco ao casal.

Admirados agradeceram-me.

Saí.

Isto aconteceu num sábado de manhã.

Em Portugal.

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