Em 1977 a cantora brasileira Beth Carvalho na canção “Um saco de feijão”, cantava “no tempo dos derréis e do vintém” referindo-se obviamente a uma época onde o dinheiro teria outra terminologia.
Ora bem… sou velho já, mas o tempo do real como moeda ficou lá muito longe. Porém recordo a linguagem que os meus avós (e não só!!!) usavam há mais de meio século como os “milréis” para designar os simples escudos. Dou um exemplo: se dissesse 10 milréis estava a referir-me a 10 escudos ou uns míseros 5 cêntimos em euros!
Todavia na minha juventude o escudo foi popular e geralmente substituído pelo “pau”. Em vez de dizer 100 escudos dizia 100 paus. Desconheço a origem da utilização daquele substantivo para identificar os escudos, mas na altura isso não me pareceu importante.
O tempo vai e vem, as modas mudam a grande velocidade para a determinada altura, quase sem darmos por isso, tudo regressar ao que foi antes.
Talvez este avanço e recuos da vida origine que o “pau” tão em voga nos anos 70 e 80 regressasse agora em força e, quiçá, para ficar!
Hoje é comum escutar alguém dizer 20 paus para se referir a… 20 euros, quando há menos de meio século os 20 paus referiam-se a 20 escudos. Mudaram-se os tempos, as políticas até a moeda, mas não mudou ideia que o povo tem do dinheiro!
Acabo este postal regressando a Beth Carvalho e o seu “Saco de feijão”.
“No tempo dos derréis e do vintém Se vivia muito bem, sem haver reclamação Eu ia no armazém do seu Manoel com um tostão Trazia um quilo de feijão”
Há na nossa cultura uma expressão que se usa amiúde quando nos queremos referir a algo inesperadamente pesado. Diz-se então: é mais pesado que o meu dinheiro!
Todavia será necessário chamar a atenção para o facto de que o dinheiro é pesado. Mesmo muito pesado… Obviamente as moedas serão mais que as notas, mas ainda assim…
Tenho a este propósito um relato que se passou comigo: certo dia o responsável por uma pastelaria onde vou (ou ia) algumas vezes perguntou-me se sabia como transformar muitas moedas em simples notas? Disse-lhe que sim, mas quando vi o caldeiro cheiinho até acima arrependi-me logo. Porém como não sou pessoa de voltar com a palavra atrás eis-me a pegar num balde plástico, daqueles que um dia levaram 15 litros de tinta, e a carrega-lo para a mala do carro. Já em casa dividi as moedas por dois sacos e logo que pude fui trocá-las por notas. Chamo agora a atenção para o facto de que eram apenas moedas de 1, 2 e 5 cêntimos. No final todo aquele dinheiro deu pouco mais de trezentos euros.
Em paralelo e não pesando tanto como as moedas, também as notas todas juntas têm um peso considerável. E eu sei do que falo já que carreguei algumas malas com alguns milheiros de escudos, que era a moeda portuguesa na altura.
Esclareço já agora que as notas portuguesas em escudos, para além de serem muito bonitas eram feitos de um material à base de trapo, o que originava que, uma nota que caísse à água, arriscava-se a ficar mais pequena que o tamanho original. Encolhia…
Não sei de que são feitos os actuais euros, mas o milheiro de notas não deve pesar menos que as portuguesas, quiçá mais já que têm mais elementos de segurança.
Portanto quando tivermos que dizer a expressão supra, digamos: pesa mais que um balde carregado de cêntimos!
A moeda de escudo tal como foi criada após a implantação da República, em 1910, acompanhou-me e a milhões de portugueses, durante muitos anos. A título de curiosidade digo que o meu primeiro ordenado foi naturalmente em escudos.
(vinte escudos chapa 6 - aprox 0,10 €)
Cinco mil escudos mais precisamente, o que equivaleria hoje a uns meros 25 euros.
Todavia convém não esquecer que antes dos escudos existiu o real, que foi, obviamente, a moeda da monarquia.
(500 Réis)
Ora bem, é sabido como os portugueses são um bocadinho avessos à mudança, o que equivale dizer que muitos anos após a queda do Rei D. Manuel II ainda se falava em réis, convertendo deste modo os escudos na moeda da monarquia.
Provavelmente alguns de vocês lembrar-se-ão de ouvir alguém dizer: pai dá-me aí cem mil réis para ir ao cinema… em vez de dizer unicamente 100 escudos!
Deste modo habituei-me, como milhões de portugueses, a falar na moeda mais antiga como se eu fosse do tempo dela.
Só que havia naquela época também uma forma muito peculiar, popular e corrente de falar da moeda em uso. Falo obviamente nos paus.
Assim, em vez de se dizer xis escudos falava-se em xis paus. Com o mesmo valor…
O curioso é que actualmente aquela expressão tão corriqueira foi totalmente recuperada pela população e hoje é costume ouvir-se falar em paus quando se pretende falar de euros.
Só que os euros de hoje são mais valiosos que os escudos de outrora!
Nota: as fotografias dos réis e dos escudos aqui presentes fazem parte da minha colecção particular.
Ontem andámos (eu e o meu filho mais novo) a fazer uns arranjos cá em casa que acabou por envolver a compra de parafusos novos.
Dirigimo-nos então a uma desses lojas da especialidade e comprei meio cento de parafusos de forma avulsa.
Entreguei o saco com os ditos a uma colaboradora que pesou, retirou a etiqueta da balança, do género das da fruta e devolveu-me o saco com o peso e o valor a pagar.
Já a chegar à caixa para pagar o meu filho reparou que a quantia a pagar estava escrita no talão em... escudos! Mas paguei em euros!
Pois... não sei bem se é um simples lapso, um mero erro ou uma estranha premonição.