Estou há uma semana com os meus pais. Desde Sábado passado!
O meu pai tem 91 anos, feitos recentemente, e começa agora a ter problemas de saúde mais graves indiciado a iniciar hemodiálise.
A minha mãe, quatro dias depois do meu pai, fez 85 anos. Pouco mais de metro e meio de uma genica única, diria eu que herança da mãe! Todavia a cabeça começa a falhar essencialmente com alguns lapsos de memória. Repete amiúde as mesmas questões e percebe que já não é a mulher de outrora.
Portanto constato um pai triste e quase inerte - o exemplo encontra-se na sua total ausência da apanhana da minha azeitona, algo que nunca aconteceu - e uma mãe que chora o seu novo estado intectectual.
Deste lado temo pelo futuro deles... Como irá o corpo do meu pai receber um tratamento tão forte? Ou como acordará amanhã a minha mãe?
Sempre que vou ao lar onde vive agora a minha demente sogra venho de lá muito triste. Vou olhando aqueles idosos que por ali deambulam e fico a imaginar como estarei eu daqui a dez ou quinze anos... se lá chegar!
Farei também parte desta malta ou conseguirei ainda aguentar este conjunto de ossos de pé? A resposta não está no vento que sopra como escreveu e cantou Bob Dylan, porque feliz ou infelizmente ninguém é dono do seu futuro antes de lá chegar.
Temo, não as doenças ou as dores (já cá moram algumas e que são devidamente tratadas com aguentocaína!!!), mas a falta de discernimento e juízo. Estar vivo, mas não ser vivente é algo que me aflige profundamente. Antes a morte que tal sorte diria a minha avó e que uma vez bem antes de partir me disse:
- Deveríamos morrer sempre novos!
Na altura considerei quase uma blasfémia, mas hoje e perante o que vou assistindo ao meu redor compreendo tão bem a ideia! O pior que pode acontecer a qualquer um de nós é desejarem a nossa morte para não nos verem mais a sofrer!
Enfim... aguardemos o que a vida terá para me oferecer!
Todas as semanas vou duas vezes ao lar visitar a minha sogra. De 91 anos e profundamente demente, não sabe quem lhe aparece na frente. Se filhas, netos, genros ou bisnetos.
Como não sabe o seu nome nem de nenhum familiar. Não se recorda de pai, mãe ou irmãos. É um ser vivo, mas não vivente.
As filhas perante um cenário profundamente decadente e com algumas limitações físicas não tiveram outra opção senão colocá-la num lugar sem luxos, mas onde receberia (e recebe) toda a atenção e carinho devidos à sua situaçáo. Quase oito meses passados, se bem que a demencia seja cada vez mais profunda e irreversível, certo é que parece minimamente feliz... se isso se poderá afirmar já que não tem qualquer consciência do que é a felicidade, muito menos de quem foi ou onde se encontra.
Observo este triste cenário e fico muitas vezes a pensar quantos anos me restarão para chegar a este estado? Sinceramente prefiro partir antes de tal fado. Que Deus se compadeça deste pobre...
Limito-me, e para terminar, evocar uma frase recorrente nestes casos: o que fomos e no que nos tornamos!
Um amigo faz hoje anos. Não comemora o seu aniversário porque já nem sabe em que dia estamos. De um momento para o outro a demência atacou-o, deixando-o profundamente dependente de outros.
Homem de esquerda, poeta, escritor, músico, jurista de profissão era uma mente brilhante. Como responsável por uma área jurídica, conseguia em três frases simples, concisas e assertivas dar um despacho que ainda hoje, alguns anos volvidos, muitos ainda se recordam e que ficaram célebres!
O ano passado ainda lhe liguei para o telemóvel, mas já náo soube quem eu era. Por isso hoje nem lhe disse nada. Não valeria a pena.
Eu sei que ele já não sabe o valor da amizade. Mas eu sei. Não o esqueci durante todo o dia e daí estar a escrever este postal. Porque ele merece.
Obrigado A. por tudo o que me ensinou e pelo exemplo de discernimento e verticalidade que sempre o caracterizaram.
Eu sei que já me olvidou pois vive nesse seu mundo paralelo à realidade, mas eu jamais o esquecerei.
Hoje a decana cá de casa fez noventa anos. Nem se apercebeu de tal já que a cabeça dela, vive por esta altura e desde há uns anos, num mundo paralelo.
A minha sogra não sabia que fazia anos, mas sabíamos nós! De tal forma que se comprou um belo ramo de flores e um bolo, ajeitou-se um jantar um pouco diferente dos outros dias e comemos todos. Alguns netos incluídos. E não foram todos porque as crianças têm de se deitar cedo.
Não imagino a que idade irei chegar, mas não gostaria de chegar muito longe sem juízo. "Antes a morte que tal sorte" como me dizia em tempos alguém próximo.
Na altura achei um exagero a expressão, mas hoje percebo que esta mulher que tanto trabalhou, que tanto lutou está viva, mas não vive.
Uma tristeza!
Todavia não lhe falta nada. Rigorosamente nada! E tal como a bisneta é tratada com o mesmo esmero e carinho.
É por estas e por outras que por vezes temo o meu futuro!
Normalmente tenho mais receio da vida que da morte. Sei que esta é certa e que a partir dela não tenho mais nada com que me preocupar. Ufa ainda bem!
Por isso a vida surge-me com alguns temores e muitas dúvidas. Entre muitas a maior delas é perceber como chegarei (se lá chegar!) à verdadeira velhice.
Se fisicamente seremos quase sempre reféns dos excessos que agora vamos cometendo o que conta para mim é ter real consciência do meu estado e das minhas limitações.
Sei que há muita gente que não lida bem com a idade nem com as normais fragilidades que os anos trazem. Nem tem a ver com a educação, formação ou outro palavrão qualquer... mas unicamente com o imo de cada um de nós.
No meu caso temo que chegando à altura da velhice tenha falhas de memória, incapacidades de raciocínio e, pior que tudo, que perda o dom de falar com lógica.
Convivo diariamente com alguém com quem já não se consegue ter uma conversa normal. As palavras soletradas têm significados diferentes e é necessário quase um tradutor. Não há discernimento lógico nem verbalização do que se pretende.
Numa palavra tudo isto corresponde a... senilidade.
Não considero que seja propriamente uma doença mas o resultado do envelhecimento de uma pessoa.
De forma a poder evitar este tipo de demência assumo de forma realista e coerente que preferiria viver menos uma boa dezena de anos a ter que ficar profundamente senil!