Inexistentes!
São seis horas da tarde. A noite cai sobre a aldeia fria. Ao longe ainda restam uns laivos do que fora o dia de sol acolhedor.
Estou parado perto da ribeira e de um antigo lagar agora quase em ruínas. Aguardo que a carrinha seja cerregada para seguir viagem. De súbito surgem da escuridão uma quantidade de jovens de ambos os sexos. Eles à frente no meio os filhos de palmo e atrás as mulheres de crianças de meses colados à mama riga de leite quente.
São ciganos!
Vivem no lagar abandonado. Vêm ajudar o patrão que os alimenta e os protege. Elas são magras, esguias, bonitas. Os bebés vêm mal vestidos de pés descalços e não fosse o calar das mães morreriam de frio. Os outros miúdos terão 4/5 anos e já têm o sangue quente da traquinice. Finalmente os pais... jovens, muito jovens, magros, irresponsáveis mas sorridentes.
Pergunto-lhes o nome:
- Raul, Rafael...
- E elas?
- Maria, Pilar...
- E as crianças?
- Casimiro e Lúcia...
São bons conversadores os rapazes. Falamos do frio que cai, da azeitona apanhada, das crianças irrequietas e da fome de todos os dias. Quando lhes pergunto a idade dizem que não sabem.
- Mas no cartão de cidadão está lá a data de nascimento...
- Não temos...
- Não têm?
- Não... - respondem-me em uníssono.
Nem quero acreditar que em pleno século XXI num país denominado Portugal haja ainda tanta gente inexistente.
Mas inexistem em alegria.