Uma das minhas involuntárias valências prende-se com a facilidade que tenho em encontrar lugar para estacionar o carro. E não me estou a referir a parar em cima de passeios ou em outros locais indevidos. falo que locais próprios. Mesmo que haja uma enorme procura de um lugar por outros condutores eu consigo de forma "quase" natural encontrar um buraquito para enfiar o meu carro.
Devo acrescentar que esta valência já tem herdeiros: os meus filhos!
Esta suposta valência tem um estranho nome: "o amigo invisível". Este epíteto é mais usado quando a minha neta anda comigo no carro. Com frequência é dito: o avô tem um amigo que inventa um lugar para estacionar! Curiosa como qualquer criança, a miúda pergunta sempre: mas onde está o amigo do avô? A resposta é invariavelmente a mesma: é um amigo invisível!
Ora um destes dias fui ao Museu de Marinha com a cachopita. Bem perto do museu, mesmo defronte do CCB há um parque de estacionamente sem ser pago e por isso há sempre uns arrumadores a aproveitarem-se do sítio para abichar uns euritos dos condutores.
No entanto o mais curioso foi a minha neta que vendo os arrumadores gritou de contente:
- Olha avô o teu amigo está ali! - e apontou um dos arrumadores.
Sempre me pareceu um homem pacato e pouco falador.
A vida dá muitas voltas e passado pouco tempo eis que se transfere para outro departamento onde, anos mais tarde, nos voltámos a encontrar.
Mais voltas que a vida dá e durante mais de três anos convivemos lado a lado. Ele falava dos seus problemas, eu dava as minhas dicas. Eu pedia ajuda e ele sempre a disponibilizar-se.
Hoje foi o seu último dia de trabalho. Por razões que só a ele dizem respeito achou por bem passar à reforma.
Organizei por isso um almoço em que apareceram 72 colegas. São nestes momentos que percebemos como as pessoas se tornaram importantes e uma referência. Gostei imenso de ver tanta gente à volta dele.
Depois veio a prenda e as felicitações. G. apenas foi humildemente agradecendo a cada um dos convivas. Todavia ele mereceu esta homenagem.
Já no trabalho confessou-me que se sentiu muito comovido e agradeceu que eu tivesse falado por ele umas mui breves palavras.
O meu dom de oratória não é obviamente o melhor, mas quando é o coração a falar tudo parece sair melhor.
Não imagino sequer se alguma vez ele lerá estas paupérimas palavras, mas mesmo assim termino com um conhecido "cliché": ainda agora se foi embora e já sinto saudades dele.
Faz muito tempo que desejava falar dele aqui neste meu espaço. Todavia preferi que o destino tomasse conta dele, para finalmente um dia... lhe dedicar um texto!
Esse dia é precisamente hoje. Porque só agora é que soube que o meu velho amigo (muito velho mesmo) partiu para a sua última viagem. Foi já em Agosto.
Conheci-o porque ainda era aparentado à família. Mas essencialmente não era esta proximidade familiar que me fazia apreciar aquele homem. De todo!
De estatura mediana o velho A.R. era um homem com um agá muito grande. Pela sua postura perante a vida, pela sua vivência e acima de tudo pelo seu imenso exemplo de humanidade e lucidez. Ah falta dizer que quem o conheceu nos seus tempos aúreos dizia que o A.R. era dono de uma pujança incrível e nunca houve ninguém que o batesse.
Um dia estávamos os dois a descacar um pinheiro cortado para que esse fosse utilizado como viga para suportar um telhado, quando a determinada altura e perante a minha questão sobre a sua imensa força, ele declarou naquela voz calma e serena de quem está bem com o Mundo:
- Nunca usei a minha força para o mal. Houve quem o tentasse. Mas cedo percebi que as bestas eram eles e não eu.
Bebi nese dia e nos vindouros todas as palavras e ensinamentos que dele pude recolher.
Nem imagino se a família mais próxima alguma vez o fez... Seja como for o A.R. será sempre meu amigo e uma presença constante na minha vida.
Porque os amigos partem, como todos havemos de partir, mas ficou a chancela naqueles que o conheceram e que com ele lidaram.