A letra do célebre fado Zé Cacilheiro, cantado em 1966 por José Viana diz a certa altura:
"...Eu vi, ou então sonhei
Que os braços do Cristo Rei
Estavam a abraçar Lisboa..."
É perfeita esta descrição do Santuário do Cristo-Rei, um verdadeiro ex-libris da cidade de Almada, onde eu vivi durante 26 anos.
Regressei ontem àquele monumento e percebi diversas coisas:
- a primeira que Lisboa é uma cidade fantástica;
- a ponte sobre o rio Tejo continua a ser "uma passagem para a outra margem" como cantaram os Jáfumega;
- o casamento entre o rio e as margens, do lado da capital, ainda não será o perfeito, mas para lá caminhará, julgo eu;
- a cidade de Almada cresceu muito nos últimos anos, quiçá em demasia.
Posto isto fica o filme supra e as fotos que são fracas devido, essencialmente, a terem sido feitas com telemóvel e a manhã plúmbea não ajudar a uma melhor resolução de fotos.
Há quem diga que nunca se deve regressar ao sítio onde se foi feliz.
Mas palavras leva-as o vento e por isso tendo acordado novamente com o dia chocho, decidimos dar uma volta pela bela cidade de Almada.
Nasci em Lisboa, vivi na aldeia até aos 6 anos, altura que regressei a Almada para ingressar na escola. E por aqui fiquei 26 anos, isto é, até casar!
Porém em Almada reconheço que passei os meus melhores anos. Ou sendo mais preciso vivi. nesta cidade virada para a capital. tempos fantásticos com tudo o que este adjectivo pode incluir.
Hoje achei que era tempo de rever locais, já que amigos seria assaz difícil.
Comecei por Cacilhas onde em tempos idos os burros eram o meio de transporte ideal e primordial e que naturalmente deu nome à povoação. Estacionei o carro naquilo que foi em tempos parte das oficinas de uma doca de reparações e dirigi-me para a beira do rio. Aquele enorme largo onde apanhei milhares de vezes autocarros para casa (e não só) ou barco para ir trabalhar (e não só) apareceu completamente desconfigurado. Porque há agora o Metro de superfície retirando aos autocarros muitos destinos. Depois uma série de obras e um conjunto de ruas limitrofes modificadas para pedonais.
Busquei as margens do rio Tejo começando na rua do Ginjal e parando apenas no Olho de Boi onde hoje se pode encontrar o museu Naval de Almada. Será bom não esquecer que durante muitos anos na zona ribeirinha de Cacilhas havia uma industria de pesca pujante, desde pesca de arrasto como de bacalhoeiros. Conheci mesmo quem tivesse vivido nessa estranha vida errante.
Porém aquela zona está completamente ao abandono. Alguns (poucos) pescadores à linha, armazéns completamente destruídos com algumas placas a avisar do perigo de derrocada e enormes painéis de grafitti. Todavia houve um que se destacou...
Uma invulgar imagem de "El Pibe" falecido em Novembro do ano passado. Tirando isto, só vi ruínas e mais ruínas.
E mesmo o elevador panorâmico não trouxe vida ao local já que estava em reparações. Deste modo subi a estrada do Olho de Boi até à zona velha da cidade de Frei Luís de Sousa.
Depois dirigi-me ao velho jardim encostado à velha fortaleza Almadense e onde vivi momentos inesquecíveis. Daqui tem-se ums perspectiva da capital. Depois a Ponte que é a passagem para a outra margem, sob o olhar atento do Cristo-Rei e do tal elevador panorâmico.
Passam autarcas, presidentes, governos, mas a cidade velha continua só e mal estimada. Muitos edifícios devolutos, outros já quase em ruínas e até li uma placa que dizia "IMI agravado" numa velha semi destruída.
Já a caminho novamente de Cacilhas encontrei uma questão bem pertinente...
... numa edilidade, que desde o 25 de Abril, sempre foi de esquerda!
Um passeio que deu ainda para rever um velho amigo (ai que saudades, ai, ai) da noite: o R. dono de um pub onde me perdi demasiadas vezes.
Uma autarca cá do burgo proferiu umas declarações sobre bairros sociais que cairam mal em alguns sectores. Especialmente no BE e no PCP.
Pegando no tema que abordou a senhora presidente da edilidade deveria ser mais comedida nas suas palavras. Já se sabe que há ideias que não podem ser ditas, arriscando a que aquelas se tornem armas de arremesso.
Não estou a criticar a essência do que disse, mas unicamente o estilo e a forma. Os bairros sociais em questão são de gente pobre, quase marginalizada. E deste modo não estou a imaginar a presidente da Câmara de Almada ir viver para um local daqueles. Mesmo que algumas casas tenham vista para o Tejo. Foi, no mínimo, infeliz das suas declarações.
Somos senhores dos nossos silêncios, mas totalmente reféns das nossas palavras. E Inês de Medeiros deveria saber isso muito bem. Tanto mais que é filha de uma jornalista e neta de uma escritora.
Há coisas que nunca se devem pensar... quanto mais dizer!