Após uma peregrinação é costume ainda viver uns dias assim em modo caminhante, tentando no dia a dia perceber qual o meu caminho.
Porém a vida, tal como ela é, não se preocupa com esta minha busca e vem logo com desafios e propostas que me obrigam a sair do meu conforto interior e partir em busca de soluções.
Ao invés do que já ouvi, um peregrino não é um ser estranho ou alguém em busca da santidade. O verdadeiro peregrino é aquele que se propõe viajar, sem rodeios nem temores, ao interior do seu espírito. Mesmo que muitos à partida julguem estar imunes ao que vai acontecendo ao seu redor, a verdade é que no fim algo mudou. E quase sempre para melhor.
Uma vez alguém descrente, perguntou-me: porque peregrinas?
A minha resposta naquele momento foi um tanto difusa sem grandes certezas. Todavia tempos mais tarde consegui obter uma resposta a preceito e num encontro fortuito aproveitei para lhe responder.
Hoje quando alguém me coloca a mesma questão tenho sempre uma resposta pronta:
- Porque não?
Ficam assim entre o espanto e a incerteza de que era esta a verdadeira resposta que esperavam escutar. Com a deste ano já fiz onze peregrinações a Fátima e pretendo fazer pelo menos uma a Santiago. Assim Deus me força e saúde.
Termino aqui esta série de textos... peregrinos. Na escrita e na alma.
Nenhuma foi igual às outras, porque nenhum de nós é igual a si mesmo durante todo o dia!
Saímos de Minde cedo como nos outros dias. Previam-se 17 quilómetros até à Mãe Santíssima, quase sempre em estradas de terra batida, para terminar em alcatrão.
O caminho fazia-se devagar tal era o esforço da maioria dos peregrinos ao fim de quase 150 quilómetros. Acabei esta minha viagem a conversar com o Padre J. que me escutou... escutou... escutou...
É preciso ser-se um enormíssimo pastor para conseguir levar este rebanho pelas estradas, em busca do consolo de Virgem Maria.
Uma peregrinação não pressupõe somente andar... Há nesta opção, que nos é tão familiar, um misto de sentimentos, onde o espírito de sacrifício de cada peregrino, a teimosia, a persistência e a verdadeira fé se conjugam numa espécie de mistura rica, muito bonita e assaz sensível.
Chegou-se à Cova da Iria ainda antes do almoço. Coletes amarelos entregues, surgiu então uma mancha laranja, já que cada peregrino foi brindado com um bonito camisolão, referente a esta peregrinação. Rezámos o terço ainda antes de entrar no santuário. Por fim...
Ao centro a velha Basílica, para do lado esquerdo se observar a Capelinha das Aparições. Fomo-nos aproximando em silêncio. Um silêncio que teve o condão de fazer despertar muitas lágrimas. Duzentos metros.... cento e cinquenta... cem...
A cadência dos passos é sempre a mesma. Ninguém corre nem recua. Há ali uma atracção serena por aquele espaço.
Cinquenta metros... trinta... vinte. Há quem olhe para aquela mancha colorida de forma estranha. Outros mais habituados, nem ligam.
Por fim a imagem de Nossa Senhora envolta numa redoma de vidro, ali a aguardar por todos nós. Pelos nossas dores, aflições, desejos e orações. São torrentes de lágrimas sentidas, choradas com fervor, partilhadas com os outros peregrinos.
Veio o almoço seguida da eucaristia onde a homília foi quase toda substituída por partilhas dos que viveram esta aventura. A maioria dos que falaram foi a primeira vez que peregrinaram!
Peregrinar resume-se neste permanente dar de mão, naquela questão ao que caminha sozinho "estás bem?", nas muitas horas de partilhas nos chãos desses pavilhões, dos banhos mal tomados.
Peregrinar é assim tudo isto e muito, muuuuuuuuuuuuuuito mais.