Nós "teres" humanos
Conheci em tempos um homem em que uma das suas principais características era a avareza.
Solteiro, sem descendentes, viveu numa velha casa que herdara e que necessitara de remodelações que ele obviamente nunca fez. Certa tarde perguntei-lhe:
- Responda-me lá a esta pergunta: para que quer o dinheiro se não tem descendentes a quem deixar o património? O dinheiro serve para ganhar, poupar algum mas poder gastar algum em nosso proveito...
Resposta pronta:
- Tomara tu teres tanto prazer ao gastares o dinheiro que ganhas como eu tenho no dinheiro que poupo.
Com esta declaração perdi claramente a peleja.
A verdade é que quando morreu foi o Lar de idosos da região o grande beneficiado do testamento. Pelo menos isso...
Apresentei esta estória para de alguma forma ilustrar a diferença de mentalidades que vamos assistindo na nossa sociedade. Em tempos todos poupavam. Sabiam que um dia, sem quaisquer reformas ou pensões, haveriam de se socorrer do pequeno pecúlio amealhado toda uma vida, para sobreviver.
Hoje porém tudo é diferente! E quase ninguém se preocupa em poupar seja o que for. O que conta realmente não é o que sou mas aquilo que tenho. O consumismo desenfreado criou uma sociedade que olha muito mais para o seu umbigo do que para o problema do vizinho: "Está muito mal? Coitado! Não fumasse e bebesse tanto!"
Alguém disse um dia que nós não somos "teres" humanos mas seres humanos. Na verdade nós não temos rigorosamente nada. Somos somente guardadores ou fiéis depositários, pois com a morte os bens são transferidos para outro e mais tarde para outros e assim sucessivamente.
E quem julga que a vida não é assim está redondamente enganado. Tudo é normamente efémero.
Os tais "teres" humanos em que nos tornámos são fruto desta época que olha unicamente ao que tenho e não ao que sou.