Crónica de uma ida à praia
(ao Domingo)
Jaquim e Eleutéria decidiram ir à praia no Domingo. Previa-se muito calor, razão mais que suficiente para uma escapadinha até ao mar.
No Sábado a mulher encostou, logo pela manhã, a barriga ao fogão e durante quase todo o dia andou a preparar o almoço para o dia seguinte. Entretanto Jaquim estendera-se ao comprido no velho sofá de “bojeca” nas mãos enquanto saltitava suavemente de canal em canal televisivo.
Domingo chegado e todos acordaram cedo. Pequeno almoço tomado foi chegada a hora de carregar o carro. Jaquim foi buscá-lo à traseira do prédio onde morava para a frente da porta, parando em segunda fila com os quatro piscas acesos.
Tudo carregado é a hora de se pôrem a caminho. Já perto do acesso à avenida da Ponte 25 de Abril percebe uma fila lenta de carros a seguirem o mesmo destino. Mas Jaquim não se amedronta e armado em desembaraçado passa por umas centenas de veículos e já bem perto do acesso enfia-se num espaço entre dois veículos quase causando um ataque cardíaco ao condutor do carro atrás de si. Poupou com esta manobra manhosa mais de uma hora de fila. Ri-se da sua esperteza…
Já na avenida da ponte não segue atrás dos outros e vai tricotando pelas três faixas. Ganha com isto mais dez minutos. Entretanto a entrada para a via rápida da Costa da Caparica parece estar cheia. Jaquim vai apertando, apertando e consegue com as manobras arriscadas passar à frente de muitos. Meio hora depois aproxima-se dos acessos à praia que estão repletos. Já passa das nove da manhã e a fila para as diferentes praias desfia-se lentamente. Jaquim tem de aguentar… agora não há volta a dar!
Já perto das 10 da manhã consegue finalmente parar o carro, não no estacionamento devido, mas num acesso encostado à berma. Coloca a viatura no sentido de saída e obriga a família a percorrer mais de um quilómetro de tralha às costas, a saber: chapéu, geleira e toalhas seguem com o homem, Eleutéria leva a alcofa com o arroz de frango, os pastéis de bacalhau e uns rissóis de pescada congelada, para além de uma enorme melancia, o Jaquizinho leva a bola e a Eleutérinha o balde e respectivos acessórios de brincadeira. Há ainda o iglo comprado recentemente e que se abre em dois segundos que vai também às costas de Jaquim.
O areal parece cheio, mas o homem não se atemoriza e num instante encontra um espaço onde descarrega a sua carga. A restante família faz o mesmo. Alargado o perímetro de influência Jaquim abre finalmente o iglo que realmente se desdobra em segundos. Encontra uns ferros que não percebe para que servem, mas atira para dentro a lancheira, o cabaz e demais coisas. ABre por fim o chapéu de sol.
Pega na bola mais o Jaquizinho e põe-se aos pontapés àquela. Logo à primeira vez acerta num velhote que estava serenamente sentado a ler um jornal.
Com um desculpe continua a jogar… Desta vez a bola foge e acerta num miúdo que fica num berreiro. O pai vem de lá e pede explicações a Jaquim e este finalmente percebe que tem de parar com a brincadeira. Decide ir correr à beira-mar. Mas também aqui as coisas não correm bem. Atropela diversos miúdos, dá três encontrões a idosos e molha todos ao seu redor. Sente que barafustam consigo, mas nem liga. Regressa a andar pela areia quente fugindo às vítimas da sua passagem.
Entretanto Eleutéria tentar recuperar o sono à sombra do chapéu. Mas quando chega o marido volta o trabalho. È meio dia e o homem tem fome.
A primeira coisa a abrir é a geleira pois é lá que estão as suas amigas “jolas”. E a salada e mais umas bebidas para os putos. Já para não falar da melancia...
Estendida uma toalha é tempo de comer. Uns jovens espigados passam a correr por entre os chapéus e lançam areia por todos os lados. Jaquim é também vítima e vai ter de acabar os seus pastéis de bacalhau em modo croquete.
O calor aperta assim como o sono. São duas da tarde e todos dormem agora, realçando-se Jaquim que ronca assustadoramente. O areal após o almoço ficou naturalmente mais vazio mas parece que tende novamente a aumentar de utentes.
É a hora dos gelados. Passa o vendedor e o homem abre os cordões à bolsa e compra gelados para todos. Iguais. Só que Eleutérinha tem somente quatro anitos e num ápice espeta com o gelado na areia. Jaquim fica furibundo, mas à menina “não se diz nada qu’é pequenina”.
O calor principia a esvair-se. A mulher pede para irem embora que vão certamente apanhar fila. O marido aceita e toca a arrumar tudo. A geleira está vazia assim como o cabaz. Sobram as toalhas, o chapéu e o iglo. Pois é nesta altura que tudo se complica… O iglo abriu em segundos, mas Jaquim está há mais de dez minutos a tentar fechá-lo para o enfiar na bolsa. Em seu redor todos riem, mas Jaquim nem repara. Mas está numa fúria danada quase decidido a deixar a tenda na praia. Finalmente um miúdo de dez anos aproxima-se e ajuda Jaquim a dobrar convenientemente a tenda e a enfiá-la na bolsa. O homem agradece e está para perceber como o puto conseguiu fazer aquilo… quase sem esforço.
Mais uma caminhada até ao carro. A fila estende-se pelos diversos acessos. Jaquim está contente porque o carro está quase na saída! Chegado ao veículo abre-o levando com uma lufada de ar quente. Já com todos dentro Jaquim vê um papel no vidro da frente, Sai do carro, retira o papel e percebe que tem uma multa, por estacionamente indevido, para pagar.
Furioso arranca com o carro e penetra na fila que o levará até casa nos arredores de Lisboa. Chegaram às dez da noite!