Crónica breve numa aldeia beirã
São seis da manhã.
Ainda reina a noite e nem o relógio da igreja acordou. O silêncio na aldeia é absoluto.
Os cães sempre tão activos e barulhentos deixaram-se também vencer por Morfeu. Corre uma mui singela brisa que carrega consigo todos os perfumes do casario e arredores.
Percorro a aldeia a pé. Os lampiões emitem uma luz mortiça. Será que eles também ousaram dormir?
Chega-me agora o enântico do engaço da uva que se prepara para passar pelas brasas e se transformar em aguardente. O cheiro do restolho após o corte atrasado da palha, o odor inesquecível dos marmelos já maduros e das suas irmãs gamboas, também elas já prontas.
Paira o odor a gado ovino. que daqui a pouco seguirá para a ordenha.
Os meus passos lentos ecoam no empredado das ruas como se eu fosse um fantasma. Aqui e ali nota-se uma já luz acesa na casario. Mais à frente finalmente o aroma perfeito do pão acabado de cozer.
Uma ligeira penumbra surge no horizonte avisando que o dia vem aí. Oiço o primeiro galo. Depois outro e logo a seguir mais um.
Absorvo com incrível prazer todas as fragâncias e escuto os sons de uma aldeia pacata e que se prepara para acordar.
O dia desponta por fim, ainda sem o sol, mas há já luz natural.
Fogem gatos à minha frente. Toca o relógio da igreja.
São sete da manhá.