Amigo sem nome!
Digam o que disserem normalmente somos nós que cozinhamos o nosso futuro. Umas vezes conseguimos fazê-lo de forma competente outras nem por isso. Mas exceptuando algumas situações, mantenho a ideia de que cabe a cada pessoa trilhar o próprio caminho.
Ele é mais novo que eu. Uma mão cheia de anos. E se esta diferença em tempos foi enorme agora nem se nota. Ainda por cima porque parece mais velho que o meu pai que já conta 91 anos. Somos amigos há muitos anos. Tantos que já quase me esqueci. Brincámos muito e aprendi muitas coisas com ele. Especialmente espírito de sacrifício.
Eu andei na escola... ele raramente por lá passou. Ele cresceu ao "Deus dará", eu sempre demasiado acompanhado.
A idade foi-nos lentamente afastando, mas sempre que ia à aldeia encontrava-o a fazer aqueles trabalhos que ninguém queria e que só ele aceitava. O caso mais difícil que assisti foi num Verão quente, quente como deverá ser o Inferno. Ele andava a pintar uma parede exterior de uma casa sob um Sol abrasador. Perguntei-lhe o porquê daquela hora e ele respondeu:
- O corpo pode trabalhar e eu preciso do dinheiro.
Doeu-me ver aquele meu amigo entregue a uma tarefa que não merecia. Depois não lhe poderia dizer nada, pois o orgulho é um estado de alma muito difícil de entender.
O tempo passou veloz, como sempre. Eu fiz a minha vida, tomei as minhas boas e más decisões, mas ele, parece que só soube errar.
Revi-o esta madrugada no clube da aldeia onde às 7 horas fui buscar pão. Comia um bolo e bebia um café. Magro como sempre foi a sua vida de muita miséria, devorou o bolo, sem nunca largar o cigarro. Cumprimentei-o como sempre o faço e no fim as acabei por lhe pagar o que comera e ainda lhe dei algum dinheiro.
Quase de certeza que o gastou em tabaco e na cerveja que pode beber.
Finalmente poucos lhe conhecem o seu verdadeiro nome. E mesmo aqueles que sabem nunca o tratam pelo nome próprio usando sempre a alcunha. Ou alcunhas.
Entretanto eu:
- Bom dia Amílcar, como estás?
Ele:
- Vou bem!
Sei de antemão que nunca vai bem. Nunca foi, nunca irá!
Mas não será por isso que deixarei de ser amigo dele.
Mesmo que ele não creia.