A descida da Caldeira correu célere, não porque eu conduzisse depressa, mas porque havia mais confiança no caminho. Entretanto encontro um Faialense de nome Carlos F. com quem falei sobre o belo gado que estava a mudar e num laivo de lucidez perguntei-lhe onde se poderia almoçar, sem luxos mas com qualidade. Eis que a resposta veio a contento com a indicação do restaurante Rumar na Praia do Norte, onde a D. Ermelinda comanda a cozinha.
Encontrado o asfalto logo virei à esquerda para o Varadouro. Desci o mais que pude para perto do mar onde encontrei uma espécie de praia. Mas sem areia... Óptima para jovens e menos jovens!
O azul e a limpidez daquelas águas são deveras impressionantes. Ficava ali, se pudesse, horas a mirar o vai-vém das pequenas ondas a bater nas rochas negras. A memória do que vemos e sentimos perdura no nosso espírito, mas a vontade de levar aquele pedaço de mundo connosco é tentador.
Deixei-me ali ficar por muito tempo, de tal forma que o estômago começou a dar sinal da necessidade de recarga. Peguei no mapa e percebi que a Praia do Norte seria relativamente perto já que a ilha é pequena. Depois voltaria para trás para reiniciar a visita.
O restaurante é simpático com uma vista bonita para o mar e para uns terrenos onde pachorrentamente pastavam algumas vacas e respectivos bezerros. Aqui comi, para além de uma tábua de diferentes e fabulosos queijos do "Morro", a célebre linguiça com inhame. Curiosamente da última vez que almoçara no Faial fora também este belo acepipe. Coincidências...
Após o almoço regressámos (quase) à origem para observarmos e darmos conta do que terá sido a erupção do vulcão dos Capelinhos. Acresce dizer que toda a vida ouvi falar desta erupção, simplesmente porque o meu pai foi testemunha ocular deste fenómeno da natureza e que daria à ilha mais uns hectares de terra cinzenta e originaria um enorme exôdo de Faialenses.
O Centro Interpretativo do Vulcão dos Capelinhos é muito esclarecedor e mereceu visita demorada e atenta.
O próprio farol e após 130 degraus dá-nos uma visão privilegiada de toda uma extensão de terreno inóspito, mas ainda assim muito bonito.
O pedaço de terra mais jovem de Portugal é agora um refúgio para muitas aves, essencialmente os cagarros onde nidificam sem a intervenção humana.
Foi com profunda emoção que palmilhei este lugar. Essencialmente em memória:
- dos que ficaram sem as suas casas e terras devido às cinzas;
- dos que se viram obrigados a partir em busca de melhores vidas;
- dos que corajosamente enfrentaram as vissicitudes;
e acima de tudo;
- por estarmos perante algo que aconteceu há uns meros sessenta anos.
Reencontrei-me hoje com ele. Após nove meses de separação, mais ou menos forçada, voltámos a encontrar-nos.
Eu e o mar! Mar, mar, mar...
Este mundo profundamente anil tão poderoso que nenhum homem domina. Esta espécie de fantasma que assustou navegadores portugueses nas suas demandas pelo Mundo desconhecido. Esta força da Natureza que acolhe um outro submundo recheado de peixes e náufragos.
Desde Setembro passado que eu e o mar só nos víamos ao longe sem direito àquele abraço. Mas hoje abracei-o num mergulho assaz rápido, já que aquele se apresentou muito frio. Como sempre, aliás!
Hoje, primeiro de Junho e primeiro dia da época balnear e Dia da Criança nada melhor que regressarmos à praia para nos tornarmos, uma vez mais, meninos e meninas. Nem que seja por breves instantes.
É o único momento em que realmente descanso. Depois a permanente presença do mar e aquela minha velha paixão de querer ser marinheiro...
Finalmente a companhia de um bom livro. Já para não falar da presença sempre importante da família.
No entanto a ida à praia requer (quase) sempre um banho de mar.
Pois… mas é aqui que a "porca torce o rabo" e eu que até sou encalorado, quando é para entrar lá dentro daquele verde...
Tudo porque a praia que frequento tem uma água que deve ser importada directamente do Pólo Norte de tão fria que é. De quando em vez lá vem uma corrente vinda de sul que trás um pouco de temperatura e com isso consigo conviver.
Contudo estes últimos dias têm sido ultrajantes para mim. Assumo.
Sempre que entro no mar sobe-me aquele arrepio que quase fico paralisado. Falta-me a estaleca para enfrentar não as ondas, mas tão-somente o gelo daquele mar.
Gosto muito de praia e por isso as férias são passadas sempre com os pés de molho.
A praia que costumo frequentar situa-se num extenso areal, onde eu faço as minhas longas caminhadas e outrossim recolho o lixo, essencialmente plásticos e vidros, deixados ou pelo mar ou pelos próprios utentes. O costume de todos os anos, aliás!
Entretanto este ano já tinha escutado queixas sobre a temperatura do mar. Uns diziam que estava mais ou menos, todavia a maioria queixou-se de estar exageradamente fria.
Constatei isso logo no primeiro dia de férias, que foi na passada segunda feira e que continuou por estes dias.
Resultado: só ontem, finalmente, consegui mergulhar na água azul do Atlântico e após muitos minutos de habituação à temperatura do mar.
Não sou friorento, nem grandemente apreciador de águas tépidas, mas este gelo na água de Verão, parece-me exagerado.
Olho o mar calmo, sacudido por uma ligeira brisa que vai levantando uma espuma aqui e ali. Senti nesta brandura oceânica um reflexo da vida.
O mar, agora manso, pode de um momento para o outro alterar-se por completo e a sua calmaria tornar-se numa maré viva e poderosa. Tal como nós, que após um momento sereno, podemos num segundo sentir a dor da revolta e sermos rapidamente tomados por atitudes rebeldes e quantas vezes impensadas.
Cada onda que o mar trás para terra é forçosamente diferente da que a antecedeu. Da mesma forma, neste oceano da vida, somos todos diferentes.
Deste modo, há quem se afoite no mar sem temores de qualquer espécie, olvidando cautelas e conselhos. Da mesma forma há quem viva a vida sempre no limiar do risco. Ao invés outros temem a mais pequena onda e evitam entrar na água mesmo por muito branda que ela esteja. É também assim que muita gente olha para a vida: como de algo funesto e tenebroso e sem coragem para enfrentar desafios.
Olho o mar calmo, permanentemente instável. Assim é outrossim a nossa vida!
Espero nunca ter que passar pelo horrível e impensável drama dos pais dos seis jovens, que em Dezembro passado foram levados pelo mar na praia do Meco.
Na altura escrevi uma pequena reflexão sobre esta tragédia e respondendo a um comentário afirmei que aqueles acontecimentos mereciam “profunda reflexão de toda a sociedade”.
Hoje, já a alguma inexorável distância e olhando para as notícias que vão chegando direi que, como pai que sou, é tempo de fechar de uma vez por todas este assunto. Nenhum dos jovens afogados nas águas frias do Atlântico regressará aos convívio dos seus e o estudante que conseguiu escapar vai, para sempre, ter de viver dentro de si com este drama de vida.
A justiça terá claramente de fazer o seu papel, mas tentar encontrar bodes expiatórios para os trágicos acontecimentos não vai devolver nenhuma vida nem, infelizmemte, evitar futuras tragédias.
Não quero com isto dizer que se deva branquear os acontecimentos daquela noite. Longe disso. Só que empolá-los da forma que se está a pretender fazer, não ajuda à descoberta da verdade… se a houver!
Ao que parece o jovem sobrevivente já terá tentado o suicídio. Mas obviamente que esta informação requer maior rigor e certeza. Todavia não me espanta nada que o pretendesse fazer. Viver com estes acontecimentos não deixa ninguém indiferente e incólume. Especialmente para quem os viveu “in loco”.