No Sábado, dia 13 de Maio, acordei bem mais cedo que o despertador.
Às 7 já estávamos na Cova da Iria. Liguei aos meus novos amigos e tentei saber qual o ponto de situação deles. Foi complicado entrarmos no recinto sagrado tal era o magote de pessoas a entrar. Já lá dentro procurámos um bom lugar de forma a podermos assistir à eucaristia. Após algumas voltas decidimos passar pelo sítio onde viveramos sentidas horas no dia anterior. E não é que o lugar estava ainda (quase) vazio? Coincidências? Não creio...
Mensagem enviada à C. a comunicar o lugar e eis que nos juntámos uma vez mais.
O Sol matutino, entrecortado por algumas tímidas nuvens, iniciava a bater forte. Escondidos por entre bonés e chapéus assitimos à entrada de S.S., à canonização de Francisco e Jacinta Marto, à homilia do Peregrino de Paz e de Esperança, aos silêncios que concentraram todas as nossas orações, aos pedidos que cada um, dentro de si mesmo, foi serenamente formalizando.
A minha alma entretanto rejubilava de alegria pois jamais pensei poder assistir a uma missa presidida por um Papa. Com um único ouvido para escutar e um só olho para ver, há muito que perdera o sentido... Mas Deus deu-me esta imensa alegria.
As palavras proferidas pelo Papa Francisco ainda agora ressoam na minha alma. Vão candidamente alicerçando algumas das minhas dúvidas, destruindo as certezas, amenizando as minhas raivas, apaziguando as minhas tristezas.
As celebrações do Centenário das Aparições em Fátima estavam a terminar. Com enorme pena minha...
Finalmente a saída que se fez com grande aparato e demora. Depois foi o tal café da manhã que para mim não foi café, mas que soube divinalmente.
Estávamos na hora da despedida... a tristeza da partida ou a alegria de termos encontrado novos amigos? Que seja Mãe Santíssima a responder.
Termino com aquela minha bizarra sensação de querer voltar para Fátima uma vez mais. Com a C. e o B.
Gente de alma e coração fantásticos. Jamais esquecerei estes dias. Bem-hajam para sempre... Amigos!
Mais de 24 horas após ter saído de Fátima, já consigo escrever sobre o que vivi naquelas horas.
Foram muitas as emoções e os sentimentos. Muitas palavras escutadas, muitos silêncios sentidos, demasiadas certezas tornadas dúvidas e muitas dúvidas passadas a certezas.
Tudo em tão poucas horas, como se de um momento para o outro eu tivesse que me tornar noutra pessoa. Depois… bom depois há seres humanos que nos surgem na vida que ainda tentamos perceber como foi possível… entre milhares de pessoas termo-nos encontrado.
Há pessoas que não necessitamos conhecer a fundo porque são transparentes. Foi o caso da C e do B. Um simpático casal que apareceu ali, vindo do nada, a necessitar de uma improvisada mesa para fazerem o jantar e que por ali ficou. Que bom foi passar aquele resto de tarde e noite com eles. Gente muuuuuuuito boa. Foi uma verdadeira bênção conhecê-los.
Como diz uma amiga minha: nada acontece por acaso, Deus sabe sempre o que faz. Peregrinos de Fátima como nós caíram ali quase desamparados. Mas acolhemo-los como se aquele recinto sagrado fosse a nossa humilde casa. Ou foram eles que nos acolheram?
Orámos juntos, rimos e chorámos juntos, silenciámo-nos juntos. E tudo sob a capa benfeitora de Sua Santidade o Papa Francisco.
Entretanto do outro lado do recinto sabia que a Maria também lá estava. Trocámos mensagens e acabámos por falar ao telefone num momento de pausa para jantar. Entre nós um mar de gente e um oceano de emoções. Longe fisicamente, mas certamente perto em sentimentos.
Quando a meio da tarde o Papa Francisco chegou à Cova da Iria, todos nós peregrinos chorámos. Porque nos sentimos abençoados por Sua Santidade. Aos pés de Virgem Maria, o Peregrino de Paz e de Esperança orou em silêncio. E todos nós o imitámos. Depois as palavras que desbravaram o meu coração repleto de questões e receios.
A noite, então chegada, trouxe-nos novamente S.S. e a bênção, seguida da procissão das velas. Momentos inesquecíveis com a oração do Rosário de Fátima e um “manto de Luz” feito de velas, como referiria mais tarde o Papa.
A noite terminou para mim após a eucaristia. Regressei a casa dos meus pais. C. e B. foram dormir para o carro.
Este texto foi escrito ontem em Lisboa ao fim do dia, ainda antes de partir para perto de Fátima.
Porque provavelmente estarei a rezar na Cova da Iria, à distância de horas e quilómetros a que estou a escrever isto, nem imagino como estarei no Santuário à hora que isto for publicado.
Pois é, aproxima-se o fim de semana e eis-me novamente de partida.
Só que desta vez parto... para me encontrar. Ou encontrar alguém que necessita de mim. Ou procurar o que não encontro. Já nem sei!
Mas parto... para Fátima a pé!
Todos os anos vivo estas mesmas sensações e querem saber uma coisa? Adoro este sentimento de entrega.
Tenho consciência que alguns dos que me lêem não têm fé. Não me cabe a mim, que não sou missionário, convencê-los do contrário.
Peregrinar é um acto de coragem, não perante a estrada, mas perante si mesmo. Neste tempo de Quaresma o nosso encontro com Cristo cruxificado faz-se a caminhar, entre silêncios e alegrias, sonhos e realidades.
Falo das bolhas de fé que nestes últimos três dias foram apresentadas a 86 peregrinos. Mas comecemos pelo princípio:
Dia 1 - A riqueza dum cubo de gelo
Começamos cedo, como sempre. Após a eucaristia madrugadora fizemo-nos ao caminho em passo despachado. Primeira paragem em D. Maria para junção em comunidades. A mim calhou-me Maria Goretti uma santa do século XX. Mas foi na Malveira após o almoço que obtivemos a primeira grande bolha de fé. O Padre Jorge Anselmo depositou na mão de um dos peregrinos um cubo de gelo, significando este a riqueza de cada um. Ainda atravessávamos a povoação saloia e já a maioria dos peregrinos se encontrava pobre. A riqueza esvaíra-se por entre as mãos. Estávamos agora mais abertos para receber todos as dávidas que Deus reservava para nós. Desaparecera a riqueza física, restara a espiritual.
Dia 2 - A (in)justiça do vazio
Após uma noite mal dormida, eis que regressamos ao caminho. a manhã parece fria mas o caminhar aquece-nos. A igreja de S.Quintino surge imponente no cimo da colina. Rezam-se laudes num ambiente que convida á meditação e à interioridade. Partimos para Chã onde um segundo pequeno-almoço nos aguarda. Café à moda antiga, leite e tantas, tantas iguarias. Após a oração do Angelus eis que surge a injustiça do dia. A todos peregrinos foi entregue somente um invólucro de um qualquer chocolate enquanto os jovens da organização se deliciavam com chocolates verdadeiros. Um exemplo que pode ser a nossa vida do dia-a-dia.
Dia 3 - Um coração manchado
A atapa sabia-se longa e muito complicada. Após laudes em pleno eucaliptal partimos para Tagarro onde após reforço foi atribuído um pequeno coração de papel riscado por uma criança, simbolizando cada risco, cada mancha as nossas mágoas e as nossas tristezas. O caminho longo, longo até Asseiceira trouxe-nos o silêncio. Era preciso apagar as manchas, os traços dos nossos corações. A borracha estava também lá mas estaria a coragem para o fazer? A tarde trouxe-nos o terço, rezado em comunidades, e a missa. Neste fim de dia uma mui grande surpresa: o Rodrigo Sarmento veio ao nosso encontro. As saudades desmanchadas naquele abraço amigo e caloroso. Como gostei de te ver amigo...
A noite deu-nos a adoração do Santíssimo. Momentos únicos a terminar um dia cheio, cheio.
Dia 4 - A Cruz como exemplo
Partimos de Rio Maior bem cedo. As fráguas ficavam a uns meros nove quilómetros de distância. Nada para quem já tinha andado quase cem. Nesta povoação leram-se as laudes e após o café regressou-se à estrada movimentada. Fiquei para trás para uma conversa a sós com o Padre Jorge. Um catequista permanente, uma força da natureza, um exemplo de vida na entrega completa aos outros, dando assim forma à obra de Deus. Um contratempo devido às abelhas não esmoreceu o grupo que entrou na igreja de Monsanto pronto para ouvir a palavra de Deus. Mas ainda havia muito para caminhar e acima de tudo para sentir. A Via Sacra rezada no caminho para o Covão do Feto foi demasiado profunda. Não consegui evitar que as lágrimas corressem em torrentes. Textos belíssimos que tocaram todos os pergrinos. O fim da noite trouxe-nos a Adoração da Cruz. A Cruz que nos salva e que Cristo carregou para nos salvar. E cada um naquele instante por entre lágrimas sentidas adorou a sua cruz e aceitou carrega-lá como Cristo o havia feito. As canções serenas e apelativas ajudavam-nos a perceber melhor o testemunho de Jesus, naquela caminhada para o Calvário.
Dia 5 - Chegada ao regaço da Mãe Santíssima
Último dia. O desejo de chegar a Fátima era tão grande que a primeira subida da serra logo pela manhã fez-se sem problemas de maior. No Covão de Coelho rezámos laudes e recebemos o carimbo da fé. Mais à frente o silêncio até quase ao almoço. Após um belo repasto partimos na nossa última etapa até à Cova da Iria. Entrámos no santuário todos juntos a rezar o terço. Na Capelinha das Aparições apagaram-se as últimas manchas dos nossas corações. As lágrimas choradas naqueles instantes lavaram o que ainda havia de triste nas nossas almas. Instantes maravilhosos para quem vive na fé de Cristo e de Sua Mãe Santíssima. Seguiu-se a missa com muitos depoimentos de Peregrinos e o agradecimento sincero à Virgem Maria por nos ter sempre acompanhado. A festa final foi bonita... Porque é necessário ter coragem para se ser feliz!
Finalmente
Um agradecimento sincero a quem neste caminho me aturou:
À minha mulher,
ao Luís Costa,
à Sara Gomes,
à Mafalda Martins (não fui que te ajudei, foste tu que me ajudaste, acredita!),
ao João Gaspar,
ao Edgar que era da minha comunidade e restante organização,
ao Padre Jorge pela paciência.
E obviamente aos restantes peregrinos.
Nota Final
Este texto foi iniciado no dia 16 à noite, mas só hoje tive a Coragem da Felicidadede o terminar.