37a9m25d - #18
O senhor dos anéis
Nota:
Os relatos anteriores aqui descritos, não obstante falarem de casos reais, carregaram consigo sempre algum humor. Porém a vida nem sempre é risonha. Foi o caso infra.
Quando conheci o Rafael este já se encontrava reformado. Conhecemo-nos na sala de convívio do refeitório da empresa, onde após o almoço tomávamos café ou jogávamos umas partidas de sueca.
A determinada altura ficámos parceiros e a coisa até corria menos mal. Havia só uma coisa que eu não apreciava de todo no meu parceiro: a forma como falava com o filho, também nosso colega quando este aparecia para cumprimentar o pai, usando sempre de uma linguagem baixa e demasiado ofensiva. Um dia cheguei mesmo a chamá-lo à atenção para o caso. Não gostou!
O Rafael fora um antigo chefe da empresa. De estatura baixa, apresentava quando o conheci uma certa curva descendente. Não sei se seria o peso dos anos ou o peso da consciência.
Entretanto deixei de jogar às cartas pois outros valores se levantaram. Pelo que soube a seguir ninguém mais pretendeu jogar com ele, nomeadamente os mais velhos. Até que um dia fui informado que o Rafael se suicidara perto de Santos em Lisboa.
Fiquei na altura muito pesaroso pela pessoa, até que alguém me disse:
- Não tenhas pena dele! Foi um crápula da pior espécie.
E contaram-me esta estória:
Vivia-se no tempo da ditadura e Rafael era um chefe tirano, não dando palavra a ninguém nem autorizando sequer aos subalternos a dirigirem-lhe qualquer conversa, a não ser que fosse trabalho.
Este chefe adorava anéis de ouro que usava em ambos os dedos anelares ou nos mindinhos. Sempre que chegava de manhã tinha o hábito de retirar as peças de ouro dos dedos e colocava-as na secretária mesmo à sua frente.
Só que certo dia deu por falta de um dos seus anéis. Procurou por todo o lado e de súbito olhou para um dos seus colaboradores e acusou-o:
- Foi você que me roubou o anel… Eu bem vi a forma como você olhou para ele.
- O senhor Rafael está enganado. Nunca faria uma coisa dessas. Sou um homem honrado e sério.
- Gatuno, malandro… hei-de apanhar-te…
Durante algumas semanas a acusação foi permanente. Entretanto alguns colegas tentaram ajudar na busca, mas esta foi infrutífera.
Até que certa manhã receberam a notícia que o colega acusado de roubo se suicidara. Rafael reagiu mal:
- Matou-se para não ter de devolver o anel…
O tempo decorreu e foi necessário fazer obras no serviço de tal forma que Rafael teve de mudar de sala e com ele foram também armários e secretária. Foi nessa altura que debaixo de um armário de arquivo foi encontrado um anel de ouro. O tal desaparecido!
Perante a falsa acusação Rafael e as consequências das suas acusações, o chefe apenas sugeriu que não se arrependia de nada.
A verdade é que a partir desse dia todos os colegas que trabalhavan debaixo da sua alçada pediram transferência. Mas foi Rafael que se transferiu.