37a9m25d - #16
Bar aberto
O relato da estória foi-me contado na primeira pessoa de nome Acácio. Mas antes há que contextualizar...
Havia na Tesouraria alguns colegas que haviam angariado o gosto especial pelo álcool. Conta-se que um dos mais afamados era Joaquim Fevereiro. Houve mesmo um caso que ficou célebre na Tesouraria e em que após um almoço bem regado o Joaquim, sem condições para estar a atender ao público, foi-se deitar dentro de um armário, mesmo por debaixo do balcão da sua caixa, de forma a deixar evaporar o fedor etílico. Só que nessa tarde, sem que ninguém o soubesse ou calculasse, surgiu de surpresa na Tesouraria um administrador. Este ao chegar perto das caixas escutou o profundo roncar do Joaquim. Estranhando o ruído foi, no entanto, convencido de que o barulho vinha da canalização velha.
O Fevereiro só tinha medo de duas coisas: que acabasse o álcool e da mulher que parecia ser uma fundamentalista “Testemunha de Jeová”. De resto e após a visita inesperada do administrador, a chefia achou por bem transferi-lo para a secretaria onde ficou até se reformar.
O primeiro dia de Acácio foi inesquecível, segundo o próprio. Quase no fim do dia um colega mais velho entregou-lhe umas guias e disse:
- Vais à secretaria pedes para falar com o senhor Janeiro e depois entregas-lhe estes papéis.
Obediente o pobre do Acácio, percorre toda a Tesouraria e entra pela secretaria muito devagar e a medo, quase como que adivinhado o que lhe estaria para acontecer e foi dizendo:
- Boa tarde colegas. O senhor Janeiro quem é?
Joaquim levanta os olhos, fixa-os em Acácio, ergue-se ao mesmo tempo da cadeira num rompante e avança para o novato com ar ameaçador. O jovem recua.
- Olha lá meu grandessíssimo filho #$%?§@£, meu grande c&%$#@£§][, seu ordinário…
Um rol de epítetos generosos que fariam corar qualquer vendedeira do Mercado do Bolhão foi quanto o Acácuo ganhou.
- Mas… mas… - gaguejava.
Gritava Joaquim:
- Qual mas, nem meio mas…
O outro tremia… via a sua vida futura naquela empresa completamente estragada. Tentava em vão desculpar-se.
- Desculpe, desculpe… fui eu que percebi mal.
- Mal? Vais ver o que é mal… Anda comigo e é já! Vamos já resolver esta situação…
Decididamente o Acácio sentia-se completamente perdido. Agora seria aguentar. Vai daí seguiu Fevereiro qual borrego atrás da mãe. Enfiaram-se então numa sala que parecia mais um vestiário e onde se alinhavam uma série de cacifos.
- Vou só aqui buscar uma coisa – disse Joaquim – Podes vir aqui.
O jovem aproximou-se do seu antagonista que entretanto abrira a porta do seu armário pessoal.
- Chega-te mais aqui – ordenou.
Acácio aproxima-se e fica de frente para o cacifo e dá então de caras com um espaço repleto de garrafas de quase todas as bebidas alcoólicas. Um sorriso enorme apareceu na face de Joaquim que convidou:
- Escolhe o que queres beber… É o prémio da tua praxe - e deu uma valente e sonora gargalhada.
Acácio nem queria acreditar e após recusar educadamente saiu da sala.
Quando Joaquim entrou na secretaria, confessou para os outros ainda a rir:
- Mais um… quem é o próximo?
Nunca cheguei a saber…