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Sem-abrigo sim… sério também!
Imagine-se um sem-abrigo de roupas rotas e sujas, barba de muitos dias, mãos mais negras que a própria terra, voz rouca e cavernosa, mente descompensada. Pois… para além da imaginação, este ser existiu e foi protagonista de uma das estórias mais incríveis que me aconteceram, mesmo que no final nem pareça um caso por aí além!
Todos conheciam o Jusoé (nunca soubemos o verdadeiro nome dele, mas era por este epiteto que o tratávamos!). Independentemente do seu estado e situação sempre foi educado, muito educado.
Naquele tempo uma série de notas portuguesas estavam a sair de circulação, essencialmente notas de 20, 50 e 100 escudos. Estas últimas homenageavam três diferentes escritores, a saber: uma com a figura de Camilo Castelo Branco, outra com a de Bocage e a mais recente com a de Fernando Pessoa. As de 50 escudos tinham a figura da Infanta D. Maria.
Uma das minhas funções na caixa foi trocar estas notas, já em desuso, por dinheiro corrente. O que naquela altura equivalia a substituir papel por moedas já que haviam entrado em circulação as moedas e 100 e 200 escudos, para além das de 50 que já existiam havia algum tempo.
Entretanto o nosso amigo Jusoé tinha, por vezes, a estranha mania de querer as notas velhas, dando-nos em troca as moedas correntes. Ora como sabíamos que o sótão daquele cavalheiro era uma confusão, nunca lhe negávamos um pedido.
Naquele dia lá me apareceu ele, de negro vestido que nem tição queimado. Ou porque a roupa o era escura ou porque estava deveras suja. Aproximou-se como sempre da beira do balcão e naquela sua voz rouca e quase gutural, pediu:
- Bom dia… arranjava-me umas notitas do Fernando Bocage?
Percebi o erro, mas não o emendei. Peguei no dinheiro que me entregou e devolvi-lhe as notas velhas.
- Aqui tem…
- Obrigadinho… - e partiu contente.
No fim do dia, ao fechar a caixa, percebi que me faltavam 50 escudos. Refiz as contas e o saldo mantinha-se negativo. Acertei o saldo com dinheiro meu e fechei a caixa.
Estaria, no entanto, guardado para o dia seguinte a maior surpresa. Nesse dia, a meio da manhã entrou novamente o Jusoé pelo balcão, dirigiu-se à minha caixa e entrega-me de supetão uma moeda.
- Ontem fiquei com este dinheiro a mais…
Espantado com a atitude daquele sem-abrigo ainda escutei Josué dizer enquanto me virava as costas e saía:
- Desculpe-me…