Mais um dia, mais uma longa jornada. Variam os terrenos, as oliveiras, mas não o trabalho.
Mas há ainda árvores que dá gosto apanhar a azeitona.
Tal como a fotografia documenta uma oliveira deu azeitona para encher três sacos grandes. Mas sem folhas ao contrário do que se pode observar.
Calor, canseira e um dos filhos que regressou a casa.
Amanhã é dia Santo e deste modo não há azeitona para apanhar. É dia de ir à feira comprar castanhas, feijão ou quiçá mais um pano de linhagem, que nunca são demais.
Aproxima-se o fim. As mãos doem, ou melhor dóem-me tantos ossos e músculos que nem imaginava que tinha tanta coisa para me doer.
Entretanto parece que vem aí chuva... Já cá faltava!
Quatros meses em que um gato fez as delícias da família. Sempre muuuuuuito independente, não fosse ele um felino, ainda assim adoptou-nos. Pois que eu acredito que são eles que nos elegem para seus protectores e não o contrário.
Hoje o Polo, infelizmente, já não está entre nós! Morreu atropelado à frente da casa que o havia recebido e que tanto carinho e ternura lhe dispensara.
Os dias continuam quentes e luminosos. A chuva que me acompanhou no inicío desta campanha, parece ter desaparecido totalmente.
Agora bate uma canícula imponente.
Comecei cedo, hoje! Ainda o sol não acordara e já estava no olival a aguardar que o dia clareasse.
Assim que a luz pareceu suficiente, lancei-me ao trabalho com afinco. Para só terminar já muito perto das oito da noite. Foi muito mais do que o velhíssimo "sol-a-sol", tantas vezes apregoados pelos mais velhos.
Estes dias tornam-se duros... muito duros. Principalmnte para quem não está habituado.
Como não jogo nos jogos de sorte ou azar nunca serei contemplado com algum prémio. Portanto jamais serei rico... pelo menos dessa forma!
Todavia há tentações... E se uma delas me impelisse para jogar e fosse contemplado, entre algumas diferentes coisas que faria, uma delas seria, certamente, comprar um carro.
Eu bem sei que isso é o que diz toda a gente, só que eu quero um carro muito especial. A marca é francesa e o modelo antigo. Digo mesmo que é uma daqueles carripanas que não tem idade e que serve todos as faixas etárias.
Falo obviamente do Renault 4. Um modelo já em desuso e descontinuado pela fábrica francesa, mas que ainda anda nas nossas estradas com a competência devida.
Esta é uma daquelas viaturas que me fariam imensamente feliz. Nunca soube explicar o porquê, mas que gosto muito deste carro, isso é verdade.
Não me lembro de ter apanhado tanta azeitona num só dia. Vinte e cinco sacos... Uma estupidez em bagos negros e verdes (havia um pouco de tudo).
Colocava-me eu estrategicamente debaixo de uma oliveira e a "olhómetro" calculava o que iria dar.
Jamais acertei... Deu sempre mais... Muito mais!
É certo que as novas máquinas de colher azeitona ajudam e de que maneira, à colheita! Todavia andar o dia todo com uma alfaia daquelas a olhar para o céu olícola não é fácil. Os braços e o pescoço ao fim do dia ressente-se...
Mas vamos devagar e paulatinamente habituando o corpo às novas tarefas.
O dia terminou relativamente cedo já que ainda havia uma longa viagem para fazer. Apresentei-me assim tarde a más horas na Beira Baixa.
A noite está quase quente a lembrar estios, não demasiado longínquos. Amanhã bem cedo apresento-me noutro olival de armas e bagagens para nova luta.
Quase todos os anos a história se repete... É bom sinal!
Como dizia o poeta andaluz António Machado "o caminho faz-se caminhando". É assim que vivo os meus dias: numa permanente caminhada.
Se por vezes trilho caminhos tortuosos e quase inóspitos, também calcorreio veredas direitas e de bom piso. Porém nunca me escuso a evitar um carreiro unicamente por que me surge desconhecido. A aventura da descoberta pode ter, e terá certamente, momentos fantásticos e inolvidáveis.
Porque escrevo esta espécie de ensaio pré-filosófico? Acreditem que não sei...
Mas hoje ao fim de um dia de trabalho e de uma longa viagem noturna... apeteceu-me dizer isto.
Porque nunca sabemos como acordamos amanhã... ou mesmo se acordamos.
Deste modo fica assim escrito o que penso sobre a filosofia da vida, para memória futura.
Sempre que os mais antigos falam dos seus tempos de apanhadores de azeitona assumem todos a mesma opinião: o frio era uma constante.
Contudo percebe-se porquê. Naquele tempo a azeitona amadurecia muito mais tarde acabando por ser no pino do Outono, já a bater as portas ao Inverno, que se apanhava a azeitona.
Contam e recontam que a primeira coisa que faziam quando chegavam ao olival era acender uma fogueira, pois o frio era tanto que encieirava as mãos dos homens.
Como mudou o tempo! Em primeiro lugar a azeitona tende a amadurecer cada vez mais cedo, daí estarmos em Outubro e a azeitona já inicia a cair de madura. Segundo, os Verões são cada vez mais longos e mais agrestes. Cientificamente não sei se há alguma relação entre as situações mas o que conta é que hoje, no final do mês de Outubro, andei a apanhar azeitona em tronco nu, tal era o calor.
Soprava ainda um vento suão que, em vez de aliviar, carregava ainda mais calor.
Do oito da chuva fria e desagradável, passámos para um oitenta de um estio invulgar e tenebroso.
Este ano a minha campanha de azeitona parece repleta de estranhas peripécias...
Algo que admiro num ser humano é a verticalidade entre as palavras e os actos. O que diga-se de passagem, nos tempos que correm, não é vulgar. Hoje, alguém que eu conheço, colocou o seu lugar de (muito) relevo à disposição de quem o chamou, há dois meses, para abraçar um desafio. As razões da demissão foram publicamente explicadas e com esta atitude colocou nas mãos de quem o convidou, a responsabilidade do acto de prometer o que não pode ou não conseguiu cumprir. Haviam-lhe prometido “mundos e fundos”, este mundo e o que há-de vir. Mas a realidade foi obviamente antagónica. Bateu assim com a porta, mostrando que não era refém de lugar nem de mordomias. Um gesto de grande dignidade, seriedade e visão estratégica. Os “yesman” deste país deveriam tomar este caso como exemplo. Se em Portugal muita gente assim actuasse, quase de certeza que este retângulo, à beira-mar plantado, não estaria no (mau) estado em que está.